quinta-feira, dezembro 8

Alvo militar legítimo?


Quando uma nação é pequena, os seus cidadãos constituem o seu exército. Se for mesmo pequena, constituem mesmo a sua polícia. Quando um império cresce, é típico que se profissionalizem os exércitos. Assim torna-se tudo mais eficiente. Assim, apaga-se também a responsabilidade dos cidadãos nas atrocidades que são cometidas para a sua conveniência económica. Assim os cidadãos se tornam em turba. Assim declinam os impérios em pão e circo, tampas de telemóveis e futebol. Profissionaliza-se tudo, até a caridade e a coragem mais básicas. Até a responsabilidade pelas atrocidades é profissionalizada. Ao cidadão resta consumir.

É o que se passa hoje. O conceito da inocência dos civis não foi inventado para estes civis de hoje. Tinha-se em mente as mulheres e crianças e aqueles que não podiam lutar. E uma população que pouco ou nada decidia. Hoje somos tudo menos inocentes.

Os civis de hoje não são inocentes. São cobardes, moles, arrogantes. Enchem-se com os espólios das manipulações e conquistas levadas a cabo pelos políticos que elegem e pelos soldados profissionais que contratam. De tudo isto lavam as mãos, mas lavam-nas no sangue vertido a seu mando, por outrem.

Um Zé-povinho não se coíbe de dar a sua opinião, de vociferar: “É preciso é largar-lhes umas bombas em cima!”. Não se coíbe de eleger os tipos que darão as ordens de largar as ditas bombas. Arma-se em general de bancada. Mas quando é atingido de volta faz um ar de surpresa e espanto: “Mas eu sou civil! Eu sou inocente! Eu sou desprotegido”

Inocente? Um soldado de uma qualquer ditadura do terceiro mundo é mais inocente. Não pode escolher por quem luta, ou se luta. Um civil dos EUA ou de Portugal não é inocente. Eles votaram no tipo que lança as bombas. Nós votámos nos tipos que mantém alianças com ele, por conveniência económica e política. Não estou a questionar essas políticas. Digo apenas que numa democracia somos todos responsáveis pelas decisões tomadas. Muito mais que o tal soldado da republica das bananas, e apesar disso ele é “um alvo militar legítimo”. A não ser, é claro que admitam que a nossa democracia não decidimos nada…querem admitir isto?

Desprotegido? Quando os aviões chocaram com as torres gémeas não foi porque os civis estavam desprotegidos. O que isso mostrou foi que por vezes mesmo uma população extremamente protegida pode ser atingida por detrás dos seus escudos, do seu exército, da sua polícia. E mostrou também a fraqueza dessa população. Que em vez de simplesmente declarar guerra a esse inimigo, e aceitar os perigos envolvidos, deu carta verde a um burocrata com tendências a ditador para fazer dela escrava enquanto se dedica a outras guerras que não aquela a que se propôs.

Mais desprotegido é o tal soldado da república das bananas, que tem uma kalashnikov na mão contra mísseis balísticos e bombardeamentos por aviões que nem sequer vê. Nem por isso deixa de ser um “alvo militar legítimo”.

E as regras da Guerra? As regras da guerra, hoje, são escritas com o único propósito de dar a vantagem a quem a escreve. É por isso que a tortura é proibida, mas o Dick Cheney acha que ela pode ser permitida à CIA, em caso “de necessidade extrema”. Pois bem, o inimigo pode certamente alegar “necessidade extrema” de quebrar outras regras, para enfrentar uma potência militarmente invencível. Ou “as leis da guerra” implicam que o Bin Laden teria que enfrentar os porta-aviões americanos com um exército de meia dúzia de palhaços, em formação clássica, armados de kalashnikovs e toalhas na cabeça? Isso sim seria “um ataque suicida”. Porque é que as leis da guerra proíbem o terrorismo? Porque foram escritas por nações que contam com a vantagem em conflitos assimétricos. Mas nem por isso os americanos se coibiram de em tempos apoiar os contras na Nicarágua, que eram eles próprios terroristas. E muitos americanos católicos financiavam o IRA. As regras são as que dão jeito.

Que sequer se usem tais argumentos é uma prova de fraqueza da população civil. E é por essa fraqueza que o terrorismo funciona. Porque é que os americanos estão em risco de abandonar o Iraque? Por causa das bombas e dos ataques suicidas. Não foi por se aperceberem que foram ser enganados que os americanos recuaram. Já o tinham percebido antes e não se mexeram. Não foi por perceberem que guerra foi feita sob falsos pretextos e que não tem nada a ver com o terrorismo que pretendiam combater. Foi por estarem a perder. Foi por perderem uns tantos filhos, verem uns tantos caixões. Não há qualquer moral nesta gente. Só cobardia. Dessem-lhes uma vitória rápida e não teriam perguntado nada.

É com isso que conta o Bin Laden e companhia. Que nós somos tão fracos que se levarmos com umas tantas bombas em cima, vamos primeiro vociferar, depois chorar, e depois ceder.

E tem razão.

A não ser que algo mude.

10 comentários:

Anónimo disse...

oh! Deus! porquê? porquê?
Isto andava tão sossegado!...

Anónimo disse...

just kidding, omwo!
ainda nem li o post :)

Anónimo disse...

"A não ser, é claro que admitam que a nossa democracia não decidimos nada…"

Decidimos as cores das tampas do telemovel.

Mais alguma coisa?

António Araújo disse...

hmmm....de entre umas tantas pré-definidas, na verdade. Não vejo ninguém a pintar as suas com tintas misturadas na hora...

Acho que mesmo a liberdade das tampas pode ser algo ilusória...

Anónimo disse...

Então assim deixamos de ser alvos, não é?

António Araújo disse...

Sim, creio que isso invalidaria todo o argumento. É o escape perfeito, e deixei espaço para ele. No fundo passa-se isto:

Se a democracia não é real, então não decidimos nada.

Se não decidimos nada, então:

1) O terrorismo é imoral: Somos inocentes e moralmente ilegítimos como alvos.

2) O terrorismo é ineficaz: como nada decidimos então é inutil exercerem pressão sobre nós, porque isso não vai mudar em nada os designios dos nossos governantes.

Assim sendo, na medida em que o Bush diz que o terrorismo é ineficaz e imoral, e o Bin Laden acha que não, inferimos que

O Bin Laden acredita que a democracia existe no Ocidente

E o Bush acredita que não :)

Quem estará melhor informado? :)

Anónimo disse...

Caro OMWO, esse loophole democrático não me passou despercebido...

> Quem estará melhor informado? :)

Quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro!

Sofia disse...

A NOKIA tem um modelo de telemovel que permite criar tampas...

António Araújo disse...

Aleluia, irmã! Está salva a civilização Ocidental ;))

António Araújo disse...

Porque é que sou sempre o ultimo a ser avisado destes desenvolvimentos cruciais?

Estou rodeado de incompetentes! :))