sexta-feira, abril 29

Os limites do diálogo


O livro de Thomas Kuhn A estrutura das revoluções científicas é umas das obras mais importantes da filosofia do século XX. A sua análise é fundamental para compreender as limitações do diálogo e os limites da racionalidade. É a obra mais importante sobre o assunto desde que Platão publicou O Sofista. Se Guterres leu o livro, não o percebeu. As ideias de Khun tem também alguma coisa a dizer sobre o conflito que desabrochou com a eleição do novo papa.
A tese de Khun é a seguinte. Num determinado momento da história da física está estabelecido um paradigma. Quer isto dizer que se estabeleceu um certo conjunto de teorias que formam um todo mais ou menos coerente. O que os físicos fazem é usar essas teorias para resolver problemas. Num dado momento existem sempre problemas por resolver e dados experimentais que parecem contradizer a teoria. Normalmente uma década mais tarde uma quantidade significativa dos problemas por resolver foram efectivamente resolvidos e muitos dos dados experimentais que pareciam contradizer a teoria foram explicados: a experiência tinha sido mal executada, a teoria tinha sido mal interpretada etc.
Nenhuma teoria é invalidada por um dado experimental. A única conclusão a tirar é que não surgiu ainda um físico suficientemente esperto para resolver o problema. Uma teoria só é eventualmente invalidada por uma nova teoria que se proponha substituí-la. A nova teoria é proposta por um pequeno grupo de físicos. A maior parte dos físicos da geração anterior nunca aceita a nova teoria. O que acontece é que eles acabam por morrer e a nova geração é educada dentro do novo paradigma. Podem ver aqui e aqui uma descrição mais detalhada do livro de Khun.
Exemplos de paradigmas da física:
Galileu pôs em causa o paradigma da física aristotélica. O novo paradigma foi estabelecido por Newton e vigorou até ao fim do século XIX.
No princípio do século vinte foram estabelecidos dois novos paradigmas, a mecânica quântica e a teoria da relatividade. Estes paradigmas coexistiram pacificamente durante todo o século porque tratam de realidades diferentes, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. À escala da nossa vida quotidiana o paradigma newtoniano funciona razoavelmente bem.
Einstein tentou durante décadas criar um novo paradigma que unificasse a mecânica quantica e a teoria da relatividade. A Teoria das Supercordas é o paradigma que Einstein procurou? Aceitam-se apostas.

Foto: a sonda Galileu

Católicos "progressistas"


Publico aqui uma reflexão sugerida por um artigo referido pelo João no Insurgente. A questão anda à volta dos católicos "progressistas" que deveriam desistir do seu "progressismo".

A Igreja tem uma história já longa de tentar evitar as "novidades" de cada época para acabar décadas ou séculos mais tarde a incorporar sem problemas essas "novidades". Desde Galileu até ao evolucionismo começa-se por declarar que algo é incompatível com a fé e, quando já é patente que seria quase irracional negar a "novidade", lá se acaba por fazer uma síntese. O que é interessante é que, no fim, descobre-se que a "novidade" não afectava assim tanto o essencial da fé.

Penso que todos (os católicos) podemos e devemos participar nesta tarefa que é encarnar a fé no mundo, que é viver no mundo de hoje a fé e o amor de Jesus, com os conhecimentos que a humanidade adquiriu sobre o homem e sobre a natureza. Acredito que, nos nossos tempos: "diz o Senhor, Eu derramarei o meu Espírito sobre todas as pessoas. Os vossos filhos e filhas vão profetizar, os jovens terão visões e os anciãos terão sonhos. E, naqueles dias, derramarei o meu Espírito também sobre os meus servos e servas, e eles profetizarão." (Act. 2, 17-18)

As preocupações do Vaticano em reprimir opiniões são para mim, muitas vezes, sinal de fraqueza, de medo da novidade e sobretudo, de uma tremenda falta de confiança no Espírito. Certos católicos mais ortodoxos parecem também querer fazer "saltar fora" da Igreja os "não alinhados", provando-lhes que ou aceitam tudo sem questionar nada ou então já não são católicos. Mais uma vez parece-me um sinal de fraqueza. Penso que todos deveríamos ouvir o conselho de Gamaliel ao Sinédrio: "Quanto ao que agora está a acontecer, dou-vos um conselho: não vos preocupeis com estes homens, e soltai-os. Porque, se o seu projecto ou actividade é de origem humana, será destruído; mas, se vem de Deus, não conseguireis aniquilá-los. Cuidado, não corrais o risco de vos meterdes contra Deus!» (Act. 5, 38-39)

Quanto às comunidades, vivo a fé numa comunidade que não é legalista, que sabe que há pontos que serão avaliados pela misericórdia de Deus, que procura sobretudo responder ao essencial: o amor. E, francamente, vitalidade não falta.

quinta-feira, abril 28

Moving into stilness


Para um pião se manter imovel, é preciso que esteja a rodar muito rapidamente. Yoga, the spirit and practice of moving into stilness, de Eric Schifman, é o meu livro de yoga preferido.
Estar sentado de pernas cruzadas com a coluna direita e os os joelhos pressionando o chão é uma posição que nos transmite automaticamente uma profunda serenidade. A utilização de uma almofada grossa pode ajudar a manter a posição. Infelizmente a quantidade de horas que passamos sentados em cadeiras e sofás impossibilita muitos de nós de ter este contacto com o nosso eu profundo.
Os hindus utilizam desde tempos imemoriais a posição do lotus (a forma mais avançada da posição descrita acima) como forma de meditação. Depois de passar algum tempo em lotus a nossa intuição acaba por nos levar a imaginar outras posições. Foi a exploração desta intuição por tentativa e erro durante milénios que levou ao desenvolvimento do yoga.
No príncípio do seculo XX Krishnamacharya reorganizou e revitalizou o yoga. Foi o último dos yogis clássicos. Foram os seus discípulos que difundiram o yoga pelo mundo. O mais brilhante de todos é sem dúvida Iyengar. Foi ele que comprendeu os problemas dos ocidentais e introduziu toda uma série de apoios (cintos, almofadas, cadeiras) que permitem aprender as técnicas do yoga de forma mais precisa, segura e eficiente.
Eric Schifman foi um discípulo de Iyengar e escreveu um livro que é muito mais do que uma colecção de posições de yoga comentadas. Procura explicar qual a razão de ser de todos os pequenos detalhes que fazem a diferença entre mais uma forma de exercício físico e o caminho para um progresso sem fim.
A parte final do livro trata do impacto que o yoga pode ter na nossa vida quotidiana, se estivermos dispostos a ouvir a nossa voz interior.
Foto: Peter Hegre

quarta-feira, abril 27

Caminhos para o nosso eu profundo


Iyengar considera que o controle da respiração (pranayama) é a arma mais eficiente do yoga mas também algo de extremamente perigoso se mal usado. Como tal deve-se esperar uns anos antes de se começar a trabalhar as tecnicas respiratorias mais profundas. Schifman prefere não abordar o tema, provavelmente por o achar demasiado avançado. Em Light on Pranayama Iyengar usa sistematicamente uma linguagem religiosa neutra. O yoga considera que é através da respiração que podemos chegar a ter contacto com algo a que podemos chamar o nosso inconsciente, o nosso eu profundo ou Deus. Um Deus que não está ligado a nenhum culto particular.
As experiências misticas foram sempre uma fonte de heresias na igreja cristã. Isso levou a igreja a afastar os fieis de todas as fontes da religiosidade. Não só de qualquer tipo de experiência mistica como até da própria leitura da Bíblia. Não é por acaso que um dos primeiros actos da insurrecção de Lutero foi a tradução para alemão da Bíblia.
Só muito recentemente a igreja católica começou a considerar desejável que os leigos tivessem um contacto directo com Deus através da leitura da Bíblia. O contacto directo com o corpo através do sexo ou de outras experiências místicas continua a ser muito mal visto. As relações sexuais não conduzem facilmente a nenhuma experiência mistica profunda. No entanto a morte do eu que se produz na sequência de um orgasmo é a experiência mística mais básica de todas. Aquela que é acessível a todas as bolsas.
A igreja cristã acumulou uma profunda experiência mística, conparável à de qualquer outra religião ou actividade espiritual. Juan de la Cruz, Inácio de Loyola e Teresa de Ávila são três místicos canonizados e tolerados pela igreja. Não se encoraja os fieis a seguir o seu exemplo. Qualquer contacto directo com a divindade é uma ameaça para a ordem estabelecida. Se nós pudessemos ter um contacto directo com a divindade, para que precisaríamos de mediadores? A hierarquia da igreja está a roubar-nos a nossa espiritualidade, sendo parcialmente responsável pelo estado de materialismo em que o ocidente caiu.
Actualmente é bastante difícil, mas não impossível, utilizar a longa experiência mistíca da igreja como forma de nos completarmos como pessoas. Parece-me mais facil começar pelo yoga. Podemos depois chegar a outras formas de espiritualidade mais próximas da tradição cristã.

terça-feira, abril 26

Limpeza portuguesa

Agradeço ao meu amigo PM a seguinte observação. No DN de hoje, António Ribeiro Ferreira cita palavras do então cardeal Ratzinger na nona estação da via sacra da sexta feira santa deste ano: "Quanta pouca fé existe. Quantas palavras vazias. Quanta porcaria existe na Igreja. E é justamente entre aqueles que no sacerdócio deviam pertencer completamente a Cristo. Quanta soberba. A Tua Igreja parece uma barca que mete água por todos os lados. As vestes e os rostos da Tua Igreja estão sujos. Somos nós mesmos a sujá-los."

Quando se pretende confirmar estas palavras no site do Vaticano, na versão portuguesa a nona estação desapareceu!

Quem são os que sujam a Igreja: os pedófilos, os teólogos desalinhados ou outros? E que significa esta "limpeza" do texto apenas na versão portuguesa?

segunda-feira, abril 25

Apitos


De quantos apitos vamos precisar mais?

O Zeca


Passei pelo WebClub. O post Cantigas de Maio fez-me recordar memórias passadas. Pouco antes do 25 de Abril pertencia a um grupo de arqueologia ligado à Mocidade Portuguesa. Nós dávamos uns passeios pelo campo e às vezes cantávamos umas canções. Algumas eram do Zeca Afonso. Um dia encontrámos o Zeca com a sua viola quando passeávamos pela Arrábida. Bem nos apeteceu ir dizer-lhe olá. Quem sabe, cantar com ele uma canção. O filho do chefe da Pide de Setúbal vinha connosco precisamente para evitar que cantássemos as tais canções. Seguimos em frente...

domingo, abril 24

Todos os dias é Natal


... e todos os dia é 25 de Abril. Não preciso do feriado para comemorar o dia mais importante da minha juventude. Não me choca que cada dia que passa os mais jovens comprendam menos a importância deste dia. O importante é preservar o que se ganhou e ganhar o que ainda falta.
Eu vivi esse dia e isso ninguém me tira!

Einstein e Ratzinger

Até onde percebo Einstein sugeriu que há coisas que pensávamos que tinham que ser absolutas, como o tempo, e afinal não era tanto assim. Até o tempo que passa depende de quem o observa. A natureza continua a funcionar com leis rigorosas mas diferentes do que, durante séculos, se tinha imaginado.

Ratzinger, a 18 de Abril, afirmou: "estamos caminhando rumo a uma ditadura do relativismo, que não reconhece nada como definitivo e tem como seu maior valor o próprio ego e os próprios desejos". Na Wikipedia pode encontrar-se (em inglês) noções de relativismo e de relativismo moral.

Por vezes parece que se quer chamar relativista a quem pede uma "actualização" de certas posições da Igreja o que me parece excessivo e, por vezes, uma forma de calar a oposição.

Acho que há de tudo: há aqueles que discutem fundamentadamente determinadas posições e há aqueles que acham que basta uma maioria. Situo-me entre os primeiros.

Acredito num Deus absoluto e numa verdade absoluta, como acredito, de algum modo, numa natureza objectiva. Mas a expressão das verdades sobre Deus é feita com termos e ideias humanos, necessariamente limitados. A ciência mostra que até a natureza foge às nossas descrições mais sofisticadas, mas a ortodoxia católica continua a usar uma filosofia pré-científica para ter verdades absolutas sobre o Deus que criou a tal natureza.

A ciência aproxima-se cada vez melhor da natureza e penso que a Igreja vai conhecendo cada vez melhor o Deus que a chama. Não podemos reinventar a roda todos os dias. Contudo, ao ignorar-se as limitações da filosofia e ao optar-se pelo tomismo para exprimir a teologia, limita-se seriamente a possibilidade de comunicar com o mundo actual. Ao tentar-se usar esta filosofia para interagir com a ciência parece não se ter aprendido nada com o caso Galileu.

Ou então tem-se muito medo e não se confia o suficiente no Espírito de Deus, que nos conduz à Verdade.

Parece-me que as posições do Vaticano relativas à sexualidade e à procriação não têm que ver com a oposição ao relativismo mas com a recusa (ou incapacidade?) em incorporar o conhecimento que se vai descobrindo sobre o ser humano. Para mudar de posição o Vaticano não teria que abdicar de uma moral absoluta mas sim de uma visão da realidade agarrada a categorias de pensamento anteriores à ciência moderna.

Apesar disto ainda é possível ser católico hoje, porque acredito que a Igreja, comunidade de crentes, é tanto minha como de qualquer outro católico sério. Se eu me afastasse por causa de determinadas posições estaria a assumi-las como definitivas e eu não penso que o sejam.

Já depois de ter preparado este post, li o post da Palmira Silva no Diário Ateísta. Pelo que disse acima, acredito em invariantes mas não estou convencido que estes se encontrem por consenso. Provavelmente o direito de cada estado deve continuar a reflectir a ética consensual mas tendo a consciência que o consenso só por si não garante que a lei esteja bem feita.

O PS e a educação

A decisão do PS de acabar com o exame do nono ano, criado recentemente por um governo PSD, é a primeira grande guterrada de Sócrates. Depois do afastamento de pessoas como Ana Benavente havia uma esperança de que finalmente o PS começasse a apagar os tremendos erros que cometeu ao longo da última década neste domínio. Ainda não foi desta. Não fazer exames é essencialmente não querer ser julgado. A farsa da escolaridade obrigatória até ao nono ano levou a que se pressionasse os professores no sentido de passarem todos os alunos. Nunca se fez um esforço sério para recuperar a inevitável queda de qualidade resultante de uma massificação do ensino. O exame do nono ano teria de ser uma fraude ou denunciaria o estado actual do ensino. Apesar de tudo este ano vamos ter exame do nono ano. Veremos o que acontece. Só evitando o exame do nono ano se pode prolongar a farsa da escolaridade obrigatória até ao décimo segundo ano.
Mais vale escrever este post tarde do que nunca. Agradeço ao lino por ter chamado a atenção para o assunto.

sábado, abril 23

Aventuras de um espectador

Peter Drucker criou a gestão ao escrever The Future of Industrial Man. Depois de ler as cem páginas de The Effective Executive não é necessário ler mais nenhum livro sobre eficiência no trabalho. Foi o primeiro e está lá tudo. Depois só falta aplicar. Drucker compreendeu há cinquenta anos a importância crescente das instituições não lucrativas e a especifidades da sua gestão. Um problema que começou a ser dicutido entre nós este século. Todos os padres, professores e médicos que ocupem posições de gestão teriam muito a ganhar se tivessem As Organizações não Lucrativas na mesa de cabeceira.
Drucker nasceu em 1909 na Viena imperial. Iniciou a sua carreira profissional em Inglaterra e emigrou para os Estados Unidos pouco antes do princípio da guerra. Continua em grnde forma. Adventures of a Bystander, traduzido por Memórias de um economista, fala das pessoas que conheceu ao longo da sua vida. Conheceu pessoalmente Freud. As páginas que dedica a Freud e à sociedade da época parecem-me essencias para o compreender.
O desporto preferido de Drucker era assistir a uma performance dada por um professor excepcional. Fazia de bom grado seiscentos quilómetros para assistir a uma aula de ballet ou a uma lição de piano. Este livro contém algumas das coisas mais interessantes que alguma vez li sobre como é que se ensina/aprende.
Os capítulos sobre Marshall MacLuhan, sobre o homem que criou Henry Kissinger e sobre Alfred Sloan, o homem que fundou a General Motors, são imperdíveis. Aprendi alguma coisa com todas as histórias. Mais do que isso, reaprendi que podemos aprender algo com toda a gente.

O ateu não praticante

Fiquei de explicar outro dia porque é que, embora sendo ateu, não considero necessáriamente bom que alguém abandone a religião cristã. Todos nós temos necessidade de um ponto de referência na vida. Pode ser uma das religiões, a astrologia, uma seita satânica, a heroína ou outra coisa qualquer. Quando se abandona uma religião acontece quase sempre cairmos nalguma crendice pior quando esbarramos na primeira dificuldade. Para isso mais vale ficarmos sossegados. Ser ateu implica um investimento intelectual bastante grande. Eu diria que um pouco maior do que aquele que é preciso fazer para se ser um bom cristão. Simplesmente, se o cristão não fizer o investimento não é grave. Alguém o fará por ele. (Não será mesmo grave?)
Quando se descobre que não temos de estar presos a uma série de constrangimentos sexuais e morais destituídos de sentido apetece-nos publicitar esse facto a toda a gente. Quando essa libertação se torna um dado adquirido deixamos de a achar tão importante.
Assumir a condição de ateu é escolher assumir até ao fim a nossa individualidade. É um processo muito semelhante ao que leva alguém a criar uma nova religião. Todos os dias temos de reconstruir o nosso sistema de valores, que é assim porque nós escolhemos que assim fosse. Deixamos também de fazer parte de uma comunidade, o que pode ser muito gratificante. Não existirão instituições a que um ateu possa pertencer que substituam a igreja católica? Existem sim senhor!
A instituição que mais se assemelha em Portugal à igreja católica é o PCP. Os membros do PCP também fazem parte de uma grande família da qual serão afastados caso percam a fé. O comité central funciona em moldes semelhantes à curia romana. As posições defensivas tomadas pelos seus membros quando foi eleito o novo dirigente máximo foram semelhantes. Muitos dos membros da instituição são também seus funcionários. Ambas as instituições começaram por ser minoritárias, criaram um panteão de martires, atingiram posições de relativa dominância e estão a ver a sua influência na sociedade diminuir. A grande diferença entre as duas é a escala temporal a que se movem. A escala da igreja mede-se em milénios, a do PCP em décadas. Algumas das analogias entre as duas começam a perder-se. A internacional comunista era uma instituição transnacional com sede em Moscovo. Ambas as organizações tinham um livro sagrado e uma promessa de um futuro onde todos os nossos problemas estarão resolvidos, razão pela qual vale a pena fazer sacrifícios. Será razoável considerar um comunista ateu? Como diria um físico, o PCP é um toy model da igreja católica...
Quando fazemos parte de um casamento, da igreja católica ou do PCP existe uma tendência para diluir a nossa individualidade no colectivo. Não ter que pensar em tudo é bom. Não pensar em nada e não discutir o essencial quando é preciso é perigoso. É perigoso porque nós temos as instituições que merecemos. Não costumo opinar sobre os clubes a que não pertenço. Nunca falei aqui sobre as crises do PSD e do PP por exemplo. Porque não me dizem respeito. Sou um ateu baptizado. Parece-me que a igreja acha que eu ainda pertenço ao clube. Acho que conto para algumas estatísticas como católico não praticante. Não me parece que a eleição do papa seja um assunto divino que não diz respeito aos homens. O papa é um chefe temporal cujas decisões podem matar (e matam) milhões de pessoas. Pois, estou a falar do preservativo. Muitas das regras anacrónicas da igreja não tem nada de divino: foram tomadas pelos homens, algumas vezes mais de um milénio após a morte de Cristo.
Uma perda de influência demasiado rápida da igreja católica na Europa criaria um vazio extremamente perigoso. Entendo este post como uma contribuição infinitesimal para que tal não aconteça.

quarta-feira, abril 20

Silêncio! Vamos escutar o nosso corpo.


Este post é uma tradução livre de parte do capítulo 1 do livro The Master Moves, de Moshe Feldenkrais.
Disseram-me que o meu trabalho tinha muito em comum com os métodos de Heinrich Jacobi, um famoso professor de piano. Enviei-lhe a cópia de um livro meu e combinámos um encontro em sua casa.
Está a ver o meu piano Bechstein? Não quer tocar qualquer coisa?
Expliquei-lhe que não tinha tido nenhuma educação musical.
Claro que não sabe tocar piano. Foi por isso mesmo que o convidei a tocar. Não sabe cantarolar uma canção? então experimente tocá-la...
Consegui com grande dificuldade cantarolar uma canção. Por respeito para com o meu anfitrião martelei o piano durante uma meia hora, sem conseguir descobrir por onde começar. De tempos a tempos dava-me algumas sugestões mas tal só contribuía para aumentar a minha frustração. Este piano custou-me bom dinheiro. Porque está a maltratá-lo dessa forma? Escreveu no seu livro que segundo a lei de Webner-Fechner as respostas do nosso corpo aos estímulos exteriores seguem uma lei logarítmica. Martelando as teclas do piano nunca conseguirá distinguir um sol de um fa.
Por inacreditável que pareça, depois de três minutos a tocar as teclas da forma mais suave possível consegui distinguir as notas e reconstruir a canção. Alguns minutos depois conseguia tocar a melodia de uma forma reconhecível. Jacobi tinha gravado a minha actuação e ouvi em seguida aquilo que tinha tocado. Foi espantoso ver como do caos saiu a ordem. Em seguida passou de forma mais acelarada a fase de aprendizagem e fiquei espantado com a qualidade da música que ouvi, bastante melhor do que aquilo que conseguia tocar depois de ter aprendido a música. Jacobi explicou-me que estando eu a descobrir naquele momento aquela música, dificilmente alguém poderia tocá-la melhor.
Quando se toca uma música ou se escreve um romance o importante não é aquilo que fazemos mas como o fazemos. São pequenas diferenças que distinguem uma interpretação genial de uma peça musical da interpretação de um bom aluno do conservatório. Para produzir uma obra prima temos de poder escolher livremente entre várias formas de fazer algo. Para as distinguir temos de desenvolver a nossa sensibilidade. A nossa sensibilidade está dependente de uma forma ou de outra da lei de Webner-Fechner. Ensinar/aprender tem tudo a ver com tornar disponíveis/assimilar várias formas de fazer uma coisa.
A qualidade da forma como nos movemos tem tudo a ver com a quantidade e a qualidade de opções ao nosso dispor. Para sentir o movimento do nosso corpo temos de nos colocar em situações novas onde o esforço necessário ao movimento seja mínimo. A maior parte dos movimentos do método Feldenkrais são executados deitados e requerem um esforço mínimo. Só assim podemos descobrir novas formas de fazer os movimentos de todos os dias, infinitesimalmente diferentes das habituais mas bastante mais eficientes. Essas pequenas diferenças evitam a acumulação de tensões nocivas que se traduzem em cansaço, lesões, artroses, sindromas carpais etc. Essas diferenças podem também eliminar os problemas de uma hérnia discal ou permitir executar aquele asana de yoga que nos fugia há vários anos.
Foto: Peter Hegre

terça-feira, abril 19


Nova penitência para o uso do preservativo.

segunda-feira, abril 18

Faz hoje cinquenta anos que nos deixou o homem que inventou o grande absoluto: a invariância da velocidade da luz. Porque é que lhe chamou teoria da relatividade?
Hoje o senhor Ratzinger pregou contra o relativismo dos tempos que correm. Será que daqui a cinquenta anos esse senhor será lembrado por ter ajudado a reduzir à insignificância o bispado de Roma?

Este é o símbolo da cadeia? Acham que aquilo por cima é uma foice e uma martelo?

Cadeia de literatura

A Sofia desafiou-me a responder ao inquérito que tem passeado pela net e entrou no princípio do mês na blogosfera portuguesa. Já deve estar arrependida.
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Ser um livro? Não me parece... Não é o meu género.
Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?
Se tal não acontecer vale a pena ler o livro?
Qual foi o último livro que compraste?
Qual o último livro que leste?

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Tantas perguntas tão difíceis! Vou responder ao longo da semana. Se for capaz.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Vou passar o testemunho ao raiva, para ver se ele escreve alguma coisa de positivo sobre algum assunto diferente do futebol. Por trás daquele semblante carrancudo está um coração mole...
Ao lino e ao Paulo Lopes por uma questão de curiosidade.

Um desafio aos leitores: deixem as vossas respostas à cadeia nos comentários!

domingo, abril 17


A magia do futebol.

Porque é que eu gosto de futebol?

Os físicos desistiram rápidamente de tentar compreender a mecânica quantica. Contentaram-se em fazer previsões fiáveis. Podemos nós esperar compreender fenómenos muito mais complexos, como a sociedade em que vivemos? Um bom teste é tentar prever o que vai acontecer. Acontece que os fenómenos políticos se desenrolam a uma escala temporal pouco conveniente para testar sistematicamente a nossa capacidade de previsão. O futebol é um toy model da sociedade. Existe mais algum? Seguir o futebol nem sequer implica necessáriamente ver muitos jogos. Cheira-se no ar (lendo os jornais...) quem é que vai ganhar o campeonato. Isto se formos capazes de analisar as coisas desapaixonadamente.
Quem é que vai ganhar este ano? Desta vez é particularmente difícil... Mas depois do que disse acima não posso deixar de arriscar: apesar do desgaste da taça UEFA, acredito no Sporting. Previsões a médio prazo: a era pós Pinto da Costa já começou e o Porto arrisca-se a quase voltar a ser o clube provinciano pré PC.
Ao contrário do que possa parecer, o futebol é mais sofisticado de todos os desportos. A transição defesa/ataque é o ponto chave da estratégia do futebol. Na maior parte dos desportos colectivos (basquetebol, andebol) esta transição é trivial. No futebol atinge requintes de complexidade inigualados. Jogos como o basquetebol são controlados pela estatística. Cada equipa lança cem vezes a bola ou cesto, quem ganha é quase sempre a melhor. No futebol existem cinco oportunidades de golo por jogo. Tal como na vida, nem sempre ganha o melhor. São estas razões, conjuntamente com o caracter neotribal do futebol, que tornam este jogo um elo de ligação entre pessoas de gerações e estratos sociais diferentes. Quantas vezes acontece um pai com a quarta classe ter como único elo de ligação com o seu filho dr o gosto pelo futebol?

sábado, abril 16

Falta de tempo

Tenho tido alguma ultimamente. Só por isso é que não assinalei o blogue do lino, habitual visitador desta página. A seguir com atenção.

A universidade: para que serve?

Quando Veiga Simão criou universidades em Angola e Moçambique, procedeu como se esperaria que tivesse procedido. Convidou professores, abriu cursos de pós-gradução, formou um corpo docente. Só depois de criar um corpo docente de qualidade foram iniciadas as primeiras licenciaturas. Uma universidade serve para desenvolver um país, criar pessoas capazes de enfrentar desafios. Mesmo que um aluno não termine uma licenciatura, o simples facto de ter frequentado a universidade durante um ou dois anos deveria ter um impacto decisivo na sua personalidade e na sua capacidade de trabalho.
Durante os anos oitenta foi inventado em Portugal um novo conceito de instituição do ensino superior público. Uma universidade (ou um politécnico) é um prédio mais um grupo de interessados em obter um canudo. Uma vez constituída a universidade vamos procurar arranjar alguém para ensinar lá. O objectivo da universidade não é desenvolver o país, tornando-o mais competitivo. O objectivo principal que se pretende atingir é utilizar a universidade como solução parcial dos problemas de desenvolvimento de uma região através da criação directa e indirecta de emprego: corpo docente, funcionários, restaurantes, bares e discotecas. A solução funciona no curto prazo. No longo prazo maioria dos alunos produzidos por essa universidade não vai encontrar empregos num mercado competitivo. Os que e o encontrarem dificilmente terão as capacidades que se espera que um licenciado tenha. Não farão a diferença numa empresa ou numa escola. Os custos da multiplicação indiscriminada de universidades tornam-se insuportáveis e o sistema entra em colapso. As universidades mais antigas, com um corpo docente sólido, acabam por ser fortemente afectadas pelos problemas financeiros entretanto criados. É esta a situação actual da universidade em Portugal.
Alguns dos problemas referidos atrás verificaram-se antes noutros países. É dificil gerir a massificação do ensino superior. Na França e na Alemanha foram criadas na década de sessenta centenas de posições para as quais não existiam docentes qualificados. Esses lugares foram ocupados por pessoas subqualificadas que se estão a reformar agora. Esse problema surgiu em Portugal vinte anos mais tarde. Quem vai atrás tem de apanhar quem vai mais à frente evitando repetir os erros dos outros. Isso não foi feito entre nós. Portugal atingiu vinte anos mais tarde do que a França e a Alemanha um nível de desenvolvimento económico que permitiu que grande parte da população enviasse os filhos para a universidade. Por outro lado os factores que levaram à queda da natalidade fizeram-se sentir em Portugal ao mesmo tempo que nesses países. A conjugação destes factores tornou a impacto da queda da natalidade na saúde económica das universidades um problema muito mais agudo do que o ocorrido noutros países. Não tenho notícia de que alguma vez algum membro de algum governo ter compreendido este problema.
Abordaremos num futuro próximo algumas soluções parciais para a situação actual. Parece no entanto claro que não podemos esperar resolver o problema deitando-lhe dinheiro para cima.

sexta-feira, abril 15


O lado esquerdo hesitou.

Quem se mexe primeiro

Num combate de kendo os dois adversários fitam-se mutuamente durante um interminável momento. Quando a acção começa tudo está decidido. Quem hesitou ou se moveu antes de tempo, perdeu. Por vezes um dos oponentes não aguenta a tensão e desiste. Foi o que Guterres fez. Não me parece que a maioria absoluta do PS comprometesse a candidatura de Guterres. Não eram favas contadas e parece que não lhe agradou concorrer nestas condições. Agora já se mexeu e se perder as eleições para o Alto Comissariado dos Refugiados dificilmente se poderá candidatar a presidente.
Vitorino parece ser o único candidato da àrea do PS com reais hipóteses de ganhar. Uma sua candidatura a Belém explicaria porque é que ainda não aceitou nenhum cargo político importante nem nenhuma proposta lucrativa. Vitorino é muito novo mas uma sua candidatura a Belém não seria estranha se pensarmos que foi juíz do Tribunal constitucional antes dos trinta. A vitória de Cavaco não será favas contadas. Eu aposto em Vitorino.

quarta-feira, abril 13

A solução da crise

Só há duas soluções para a crise portuguesa: a solução realista e a solução miraculosa. A solução realista é que N. S. de Fátima, Jesus e todos os santos apareçam e resolvam a crise portuguesa. A soluçãomiraculosa seria que os portugueses aprendessem a cooperar entre si.
Quem não acredita, veja como foi tratada a crise do petróleo do Prestige. Talvez os problemas e as soluções dos portugueses não sejam assim tão originais no contexto europeu.
Esta solução é adaptada de uma anedota sobre polacos que, noutro contexto, surge no
Paróquia do Minho.
CA

sábado, abril 2


Wow!

Tolerância Zero 1

Nos últimos anos tivemos o fracasso total da tolerância zero. Alguém explicou porque é esta aposta falhou tão redondamente a ponto de ser abandonada tão rapidamente? Depois surgiu a lei da velocidade média nas auto-estradas. Ainda está em vigor? foi revogada? quando? porque é que nunca foi implementada? A Direcção Geral de Viação meditou sobre as razões destes fracassos? A filosofia de base usada no ataque ao problema estava errada? Qual é a nova filosofia? Penso que os responsáveis pela politica de viação em Portugal não se dão ao trabalho de pensar nestas questões. Toda a sua filosofia se reduz a uma máxima: os condutores são casmurros e é preciso vergá-los de alguma forma.
Vamos ter em breve um novo Código da Estrada. Espero que tenha mais sucesso do que os anteriores. Não vejo porque é que podemos esperar que assim seja. O numero de mortos na estrada tem diminuido apesar da incompetência das autoridades.
Porque é que o limite de velocidade na estrada se manteve constante durante pelo menos quarenta anos? Todos os décadas ocorrem mudanças importantes. Aumenta a segurança dos carros, melhora a qualidade da estradas, aumenta o número de automóveis. A velocidade máxima a que é seguro andar deve ter variado significativamente durante este período. Parece-me claro que os responsáveis pela segurança rodovária em Portugal não sabem medir esse valor seguro nem sequer estão minimamente interessados no conceito. O seu pensamento é regido por categorias morais e não por considerações racionais. Este facto custa vidas e dinheiro a este país.

If you think this looks dangerous, try doing it without a condom.

sexta-feira, abril 1

Tolerância Zero 2

Num estado de direito as leis são respeitadas. Sou um defensor acérrimo da tolerância zero no cumprimento das leis. O desrespeito de uma lei enfraquece todas as outras. A lei com que mais portugueses lidam todos os dias é o código da estrada.
A lei da limitação de velocidade é a menos respeitada de todas. Como dizem os brasileiros, a lei da velocidade média nas auto-estradas não pegou. Os políticos, incluindo o Presidente da República e o Dr. Carlos Carvalhas, não a respeitam. Quando é que esta lei será baseada numa análise racional da situação?

Pior do que os cidadãos não respeitarem a lei é serem os próprios juízes a julgar contra a lei. No entanto foi precisamente isto que aconteceu nos últimos julgamentos sobre o aborto. Trata-se de uma crise grave do estado de direito. Espero que seja rapidamente ultrapassada.

Num outro plano o igreja católica padece de problemas semelhantes e muito mais graves. Uma percentagem considerável dos crentes não respeita as leis da igreja relativamente ao sexo e aos anticoncepcionais. Este assunto não me diz respeito mas preocupa-me por duas razões.
A posição da igreja católica complica consideravelmente a discussão da questão do aborto. Não me parece que a posição da igreja seja baseada em argumentos racionais. Sendo a igreja uma instituição transnacional, como é possível que a igreja francesa aceite uma lei do aborto que a igreja portuguesa considera herética? Alguém me explica este fenomeno?
Por outro lado todas as igrejas nacionais europeias lutaram fortemente contra o estabelecimento ou aprofundamento das leis de interrupção voluntária de gravidez. Afirmaram repetidamente que estas leis violavam a vida humana, constituindo uma licença para matar. Uma vez as leis aprovadas raramente voltaram a discutir o assunto. O mesmo fenomeno aconteceu em Portugal quando foi aprovada a nossa timida lei do aborto.
Alguém me explica isto? Será que a igreja se limita a tentar não perder terreno? (Whatever that means). Certamente estou errado. Agradeço que alguém me ilucide.
A segunda razão é a seguinte. A questão dos anticoncepcionais esta a afastar as pessoas da igreja a grande velocidade. Estas pessoas largam uma instituição que lhes dava apoio e as integrava na sociedade sem terem encontrado outra situação ou outra visão do mundo que a substitua. É um mau negócio. Espero que a eleição de um novo papa venha simplificar a vida de todos nós.