quarta-feira, fevereiro 27

Historia de embalar

O senhor Joaquim todos os dias moía a farinha, com a ajuda de um burro manco. Naquela tarde rodava a mó sozinho. O velho jumento só fazia companhia. Recebeu uma visita do diabo. Joaquim, queres uma mãozinha para moer a farinha? só quero em troca alguma coisa do teu quintal. No quintal só havia a figueira seca, usada para estender a roupa. Não disse que não. O diabo construiu um moinho e prometeu voltar no dia seguinte.
Que me dizes, Joaquim, agora a tua vida vai de vento em popa? O Joaquim nem respondeu, só fazia contas ao que podia comprar com as seis sacas de farinha que ia vender todas as semanas.
Ao terceiro dia o diabo voltou para acertar o preço. O Joaquim ouviu um grito e correu ao quintal. A filha que estendia a roupa chorava as suas mãos desaparecidas. Joaquim corre de volta para o diabo. Olha  uma vez mais o moinho e hesita. O diabo desaparece numa nuvem de fumo.

A jovem donzela não se queixa. Agora que a família é rica outras mãos estendem a roupa por ela. Afinal para que é que ela precisa delas? Cada vez é mais difícil esconder a infelicidade. Na falta de melhor solução, foge de casa, embrenhando-se na floresta. Depois de vaguear todo o dia acaba por encontrar um jardim. A um canto do jardim encontra-se uma pereira. Todas as noites como uma pêra, que a vai mantendo viva. Acaba por ser apanhada pelo jardineiro, que a leva à presença do rei. O rei, maravilhado pela sua beleza, apaixona-se por ela.
Agora que é uma rainha e vive num palácio, ainda menos precisa das mãos. Mas no essencial, nada mudou. O rei consciente da sua tristeza, ordena ao mágico que lhe construa umas mãos de prata.

As mãos de prata são muito belas. Algumas damas da corte trocariam sem hesitar as suas mãos por aqueles apêndices que não servem para nada, mas dão status. O nascimento da filha só veio piorar as coisas. Como vai uma mãe dar carinho à filha com aquelas mãos frias? Desesperada, rodeada de pessoas que lhe invejam a sorte, a donzela volta a fugir para a floresta, levando a filha nos braços. Ao atravessar um ribeiro a filha cai à água. A donzela grita pelas criadas. Na floresta não há criadas... Lança-se à água e tenta agarrar a filha, prestes a afundar-se. As suas mãos, que sempre lá estiveram, agarram-na no último momento.

quinta-feira, fevereiro 21

Famílias e como (sobre) viver com elas

John Cleese é conhecido sobre tudo por ter sido um dos membros mais importantes dos Monty Python. Mais recentemente foi o "Q"  em dois James Bonds. Nos intervalos da sua carreira artística foi reitor da Universidade de St. Andrews, com assinalável sucesso. Quando passava por um período de maior tensão e os seus problemas respiratórios resistiam ao tratamento médico, recomendaram-lhe terapia de grupo com Robyn Skinner. Segundo ele foi uma das experiências mais divertidas e estimulantes da sua vida. Pelo menos a maior parte do tempo. Alguns anos depois matou as saudades escrevendo dois livros a duas mãos com o seu antigo terapeuta.
Famílias e como (sobre) viver com elas encara uma família como um sistema em que cada um dos participantes faz o que pode para ajudar a família a sobreviver. Até pode "aceitar" fazer o papel de ovelha ranhosa, mais que não seja para que os outros membros da família esqueçam as suas desavenças, unindo-se contra eles. Dois dos temas fundamentais são discutir as razões que nos levam a escolher alguém para viver connosco (escolhemos sempre alguém com uma estructura familiar algo semelhante à nossa, acreditem que é verdade...)  e a influência que a forma como fomos criados tem na nossa vida futura, levando-nos a reproduzir de alguma forma os padrões da geração anterior.
O livro é fácil de ler. É mesmo bastante divertido. No fim até parece tudo senso comum do mais básico. O mais dificil é perceber em qual dos retratos é que encaixamos e tirar daí as consequências. Ainda não cheguei lá...