O senhor Joaquim todos os dias moía a farinha, com a ajuda de um burro manco. Naquela tarde rodava a mó sozinho. O velho jumento só fazia companhia. Recebeu uma visita do diabo. Joaquim, queres uma mãozinha para moer a farinha? só quero em troca alguma coisa do teu quintal. No quintal só havia a figueira seca, usada para estender a roupa. Não disse que não. O diabo construiu um moinho e prometeu voltar no dia seguinte.
Que me dizes, Joaquim, agora a tua vida vai de vento em popa? O Joaquim nem respondeu, só fazia contas ao que podia comprar com as seis sacas de farinha que ia vender todas as semanas.
Ao terceiro dia o diabo voltou para acertar o preço. O Joaquim ouviu um grito e correu ao quintal. A filha que estendia a roupa chorava as suas mãos desaparecidas. Joaquim corre de volta para o diabo. Olha uma vez mais o moinho e hesita. O diabo desaparece numa nuvem de fumo.
A jovem donzela não se queixa. Agora que a família é rica outras mãos estendem a roupa por ela. Afinal para que é que ela precisa delas? Cada vez é mais difícil esconder a infelicidade. Na falta de melhor solução, foge de casa, embrenhando-se na floresta. Depois de vaguear todo o dia acaba por encontrar um jardim. A um canto do jardim encontra-se uma pereira. Todas as noites como uma pêra, que a vai mantendo viva. Acaba por ser apanhada pelo jardineiro, que a leva à presença do rei. O rei, maravilhado pela sua beleza, apaixona-se por ela.
Agora que é uma rainha e vive num palácio, ainda menos precisa das mãos. Mas no essencial, nada mudou. O rei consciente da sua tristeza, ordena ao mágico que lhe construa umas mãos de prata.
As mãos de prata são muito belas. Algumas damas da corte trocariam sem hesitar as suas mãos por aqueles apêndices que não servem para nada, mas dão status. O nascimento da filha só veio piorar as coisas. Como vai uma mãe dar carinho à filha com aquelas mãos frias? Desesperada, rodeada de pessoas que lhe invejam a sorte, a donzela volta a fugir para a floresta, levando a filha nos braços. Ao atravessar um ribeiro a filha cai à água. A donzela grita pelas criadas. Na floresta não há criadas... Lança-se à água e tenta agarrar a filha, prestes a afundar-se. As suas mãos, que sempre lá estiveram, agarram-na no último momento.
16 comentários:
Mas continua este ano?
Acaba p'ra semana...
Já é p'ra semana e ainda não acabou...
Acabou sim senhor!
O moleiro vende a alma ao Diabo.
A filha é que paga o preço.
Mas o amor muda-lhe a sorte e dá-lhe umas muletas. Ela continua a sofrer. Quando decide quebrar o ciclo, é sacrificada mais uma vez, quando a filha cai ao rio. Ao salvar a filha, salva-se a ela própria.
Ou será que o resultado é apenas sorte e o que a salva realmente é o acto destemido de, apesar de não saber se conseguiria ou não salvar a filha, ela se ter atirado à agua, arriscando a própria morte?
E o pai, moleiro inconsequente?
E depois do rio? O que acontece depois do rio?
não sei muito bem aonde a história nos quer levar...mas parece que o amor está para lá daquilo que tantas vezes consideramos prioritário e imprescindível no nosso viver. aqui aparece (emerge) num acto extremo. eu não sou tão radical, sou mais pelos pequenos e insuspeitos gestos. é no viver quotidiano que se faz essa experiência.
Esta história é um dos muitos contos de fadas recolhidos pelos irmãos Grimm no folclores dos países do norte e centro da Europa. Não fui eu que a inventei...
bem me parecia que já a conhecia de algum lado. mas já passaram umas quantas vidas mais a eternidade. ;)
Pelo menos duas ou três...
Isto não fica assim, mas para além de muito trabalho, ando com muita preguiça!
bom, mas isso é uma grande contradição. ou tens muito trabalho ou muita preguiça... :)
Contei-a à Madalena. Pareceu gostar e adormeceu tranquilamente.
Estranho...
Psicanálise dos Contos de Fadas, de Bruno Bettelleim, explica o efeito destes contos nas crianças.
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Uses_of_Enchantment
Marie Louise von Franz escreveu imenso sobre a influência dos contos de fadas nos adultos. Ver por exemplo:
www.clinicapsique.com/doc/marielouise-sombra.doc
As crienças são confrontadas com os medos de forma simbolica. Isso torna muito mais facil as confrontações reais que os esperam quando surgem as várias fases em que tem de se separar cada vez mais da mãe (dos pais) para começar a seguir o seu caminho.
Os contos de Grimm são recolhas de historias que foram criadas e testadas com crianças e adultos ao longo de séculos. A sabedoria que eles incorporam é quase infinita. Nos últimos cem anos uma série de imbecis começaram a criar versões cada vez mais politicamente correctas dos contos originais, até que já nada reste do poder das historias originais.
A Branca de Neve e os Sete Anões, da Dysney, seria hoje impossível de repetir. Não seria classificada para maior de seis anos, por ter demasiadas cenas de terror.
& a morte do Bambi...
Mas o que me interessa aqui é o efeito nos adultos.
http://www.wook.pt/ficha/o-feminino-nos-contos-de-fadas/a/id/9600113
tem tudo a ver com a historia que que eu pretendo começar a discutir brevemente (como ando com muito trabalho ando com muita preguiça para escrever no blog, apresentar isto na forma de comentários exige menos tempo)
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