terça-feira, maio 3

Supercordas: o novo paradigma?

No princípio da década de 70 um recém-licenciado em História telefona à mãe para meter uma cunha ao pai. Os seus pais eram divorciados e ele não falava com o pai desde a adolescência. Ele pretendia que o pai, um físico teórico famoso, lhe arranjasse um lugar como aluno de doutoramento em física na universidade de Princeton. Como poderia um licenciado em História fazer em doutoramento em Física? Vinte anos depois Edward Witten ocupava o lugar de Einstein como a superestrela do Institute for Advanced Studies. Witten é oconsiderado por muita gente como o único candidato sério a ombrear com Newton e Einstein na lista dos grandes génios da Física. No entanto ainda não ganhou o prémio Nobel da Física. Nem é provável que o ganhe durante as próximas décadas. A maioria dos físicos não está certa sequer que aquilo que ele faz é Física. Os jovens que procuram explorar as suas ideias tem muito mais dificuldades em arranjar emprego do que os seus colegas que trabalham em àreas menos prometedoras. Porquê? É este fenómeno sociológico que procurarei explicar neste post. Não ponho sequer a hipótese de estar a decorrer alguma caixa às bruxas ou que alguém esteja a ser menos honesto.
Aqui fica o link da Wikipedia sobre Witten. Aqui, aqui e aqui encontram-se escritos de Witten relativamente acessíveis sobre o seu trabalho.

O mais interessante problema da física moderna é o de unificar a teoria da gravitação de Einstein, uma teoria essencialmente contínua, com a mecânica quântica, uma teoria essencialmente descontínua. Einstein procurou resolvê-lo durante décadas sem chegar a nenhum resultado. Vejamos algumas ideias para conseguir ultrapassar este impasse:

1. É preciso ter uma visão histórica das leis da Física. O universo começou pelo BigBang. Esta ideia proposta por uma padre católico, o abade George Lemaitre, reconcilia a Física com o Génesis e tornou-se agora mais ou menos consensual. Quando o universo começou o seu nível de energia é muito alto. A este nível de energia as leis da física deveriam ser mais simples. Conforme o universo se vai expandindo e arrefecendo a queda do nível de energia vai produzindo quebras de simetria nas leis da física, que se tornam mais complicadas. É outra vez a Alegoria da Caverna de Platão.
2. Exemplo de quebras de simetria: enquanto a força electromagnética pode ser atractora e repulsiva a força da gravitação é sempre atractora.
3. Outro exemplo de quebra de simetria, mais difícil de aceitar. Nós não vivemos num universo a três dimensões de espaço e uma de tempo. Existem mais do que três dimensões de espaço, só que as restantes encolheram. Quer isto dizer que não devemos olhar para um ponto como sendo um ponto mas sim como sendo um pequeno círculo de um diâmetro muito mais pequeno do que o diâmetro de um electrão. Um electrão deve ser imaginado como sendo um pequeno anel a vibrar.
4. Estratégia para resolver o problema: Começar por estabelecer uma teoria física que funcione bem a altas energias. Essa teoria deve ser relativamente simples. Uma vez estabelecida essa teoria vamos procurar deduzir dela outras teorias suficientemente mais complexas que funcionam a níveis de energia mais baixos até chegarmos ao nível energético actualmente existente no nosso universo.
5. O grande problema desta teoria é que só pode ser testada em experiências que necessitam de níveis energéticos muito acima do que somos capazes de produzir. O acelerador do CERN tem alguns quilómetros de diâmetro. Necessitaríamos de uma acelerador com o diâmetro do sistema solar.

A Física ignorou a Matemática durante os últimos oitenta anos. Chegou o momento da Física pagar um preço por isso. Witten e outros concluíram que para compreender a geometria da natureza a nível subatómico era necessário saber tudo o que os matemáticos tinham descoberto sobre geometria durante o último século e progredir pelo menos outro tanto. Os físicos clássicos não estão em condições de entender as novas teorias porque não compreendem os instrumentos matemáticos necessários. Os novos físicos não estão em condições de forçar os físicos clássicos a aceitar as novas teorias porque não conseguem arranjar provas experimentais. Os novos físicos tem por isso muita dificuldade em arranjar emprego num departamento de física. Estamos perante um choque de paradigmas.

A primeira tentativa séria de desenvolver uma teoria deste tipo ocorreu nos anos oitenta. Quando se compreendeu que a teoria da supergravidade tinha falhado uma geração inteira de novos doutores perdeu qualquer hipótese de arranjar um emprego na universidade. Muitos deles trabalham agora em bancos e empresas de software. Ganham bastante bem mas passaram ao lado do sonho das suas vidas. Quando a primeira geração das supercordas falhou as pessoas foram um pouco mais diplomáticas a anunciar o falhanço. O aparecimento de Witten e outros permitiu a muitos dos novos físicos arranjar emprego em departamentos de matemática. Não é sequer claro que eles sejam físicos ou matemáticos. As supercordas usam muita matemática extremamente sofisticada e tem consequências a nível matemático. A matemática tornou-se o campo experimental da nova física. Todos os meses algum físico propõe uma conjectura matemática completamente louca e extremamente precisa com base na teoria das supercordas. Muitas vezes essa conjectura revela-se verdadeira!

Veremos como evolui esta luta entre os dois paradigmas. Note-se que no dia em que se venha a conseguir a comprovação experimental da teoria das supercordas é de esperar que tenhamos acesso a fontes de energia que transformarão a bomba de hidrogénio numa brincadeira de crianças. Teremos também novos problemas com que nos preocupar. Como sempre...

8 comentários:

Orlando disse...

Esqueci-me de dizer o mais importante: esta á a maior aventura intelectual do nosso tempo!

Anónimo disse...

Defendeste, por boa causa, a Geometria. Newton estudou bem a que era conhecida no seu tempo.
Um interessante artigo relacionado em http://www.thenation.com/docprint.mhtml?i=20050516&s=foer

Orlando disse...

O paper é muito interessante. O outro denominador comum entre Newton, Einstein e Witten é o facto de os cientistas do seu tempo terem muita dificuldade em classificá-los como físicos ou matemáticos. O tabalho de Newton repousa sobre a geometria euclidiana, o trabalho de Einstein assenta na geometria differential, o trablho de Witten é a mais bela geometria algébrica alguma vez vista.

wind disse...

Bom post de informação.

Anónimo disse...

Interessantíssimo! De nível superior. Ainda estou a digerir a informação. Obrigada. :)

Anónimo disse...

Li há uns anos um livro interessante sobre o assundo das supercordas. Lê-se relativamente bem para que tenha alguns conecimentos de física e matemática ao nível do 12º ano.

"O Universo elegante" de Brian Green, publicado pela gradiva.
ISBN 972-662-756-7

Orlando disse...

Agradeço ao leitor anónimo o seu comentário.
Escrever um blog dá trabalho e algumas vezes
os seus autores ficam muito susceptíveis,
sem razão para tal. É o meu caso neste momento. sinto por isso necessidade de deixar claro que em geral só faço um post se tenho algum conhecimento directo sobre o assunto. Há excepções, como o post do Bartoon, e alguns posts de opinião, mas são poucas.
Escrevi este post porque conheci pessoalmente meia centena de pessoas ligadas às supercordas durante os último dezoito anos. Foi com els que aprendi o pouco que sei sobre o assunto.

Anónimo disse...

Note-se que no dia em que se venha a conseguir a comprovação experimental da teoria das supercordas é de esperar que tenhamos acesso a fontes de energia que transformarão a bomba de hidrogénio numa brincadeira de crianças.

Esperemos que esse dia esteja para breve para calar as más línguas do "Hubert peak":

* http://www.hubbertpeak.com/

e igualmente os profetas da desgraça:

* http://www.hubbertpeak.com/duncan/olduvai2000.htm