"Matar uma criança no seio materno é mais violento que matar uma criança de cinco anos". (Pe. Domingos Oliveira)
A alteração à lei sobre o aborto em Portugal ficou, em minha opinião, decidida em Março de 2004. A publicação pela Conferência Episcopal Portuguesa do documento intitulado "Meditação sobre a vida" marcava uma posição de obstinação total perante a realidade, que levará inevitavelmente a uma maior liberalização do aborto, salvo se os grupos pró-aborto conseguirem um nível de irracionalidade que compita com o dos bispos portugueses.
A "Meditação sobre a vida" insistiu em equiparar o embrião a uma pessoa humana desde a concepção: penso que se trata de uma posição que a médio prazo levará a um beco sem saída, donde será preciso retroceder. Além disso ignorou completamente a relação da mãe com o próprio corpo durante a gravidez e ignorou o impacto sobre a opinião pública dos julgamentos que têm decorrido.
Mesmo admitindo uma posição radicalmente contra o aborto, uma leitura minimamente atenta da sociedade portuguesa deveria ter deixado claro que já só era possível "minimizar os danos". A ocasião era propícia (pois a direita estava no poder) e a proposta de Freitas do Amaral pareceu-me, nessa perspectiva, o melhor "negócio" possível: nem sequer descriminalizava o aborto mas, ao inverter o ónus da prova, permitiria acabar com quase todos os julgamentos.
Perante este quadro a Conferência Episcopal resolveu insistir em que só se devia "considerar, em sede de julgamento, eventuais circunstâncias atenuantes". Quer dizer, tudo devia ficar como estava, incluindo a exposição em julgamento das mulheres que abortaram (note-se o contraste com a prática de proteger da exposição pública os padres pedófilos).
A partir de um radicalismo destes, muitas pessoas moderadas, incluindo católicos, deixaram de poder contar com a hierarquia para um debate sereno com aqueles que defendiam o aborto livre a pedido da mulher. Dentro da Igreja saíram reforçados os grupos religiosos radicais anti-aborto e, como consequência natural neste contexto, houve padres que levaram a sério o radicalismo: foi o caso do Pe. Nuno Serras Pereira e é agora o caso do Pe. Domingos Oliveira. Estes padres limitaram-se a levar até às últimas consequências a posição expressa pelos bispos e provam, pelo seu excesso, a desadequação da "Meditação sobre a vida". O aborto será um mal mas não se pode fazer dele o mal absoluto, sob pena de se dizerem as barbaridades que disse o pároco de Lordelo do Ouro.
Agora que a maioria política mudou, andam as deputadas católicas do PS a tentar sem sucesso salvar uma posição análoga àquela que, há um ano, a Conferência Episcopal se dava ao luxo de desprezar e andam os movimentos anti-aborto a ser desacreditados por declarações desligadas da realidade.
A "Meditação sobre a vida" insistiu em equiparar o embrião a uma pessoa humana desde a concepção: penso que se trata de uma posição que a médio prazo levará a um beco sem saída, donde será preciso retroceder. Além disso ignorou completamente a relação da mãe com o próprio corpo durante a gravidez e ignorou o impacto sobre a opinião pública dos julgamentos que têm decorrido.
Mesmo admitindo uma posição radicalmente contra o aborto, uma leitura minimamente atenta da sociedade portuguesa deveria ter deixado claro que já só era possível "minimizar os danos". A ocasião era propícia (pois a direita estava no poder) e a proposta de Freitas do Amaral pareceu-me, nessa perspectiva, o melhor "negócio" possível: nem sequer descriminalizava o aborto mas, ao inverter o ónus da prova, permitiria acabar com quase todos os julgamentos.
Perante este quadro a Conferência Episcopal resolveu insistir em que só se devia "considerar, em sede de julgamento, eventuais circunstâncias atenuantes". Quer dizer, tudo devia ficar como estava, incluindo a exposição em julgamento das mulheres que abortaram (note-se o contraste com a prática de proteger da exposição pública os padres pedófilos).
A partir de um radicalismo destes, muitas pessoas moderadas, incluindo católicos, deixaram de poder contar com a hierarquia para um debate sereno com aqueles que defendiam o aborto livre a pedido da mulher. Dentro da Igreja saíram reforçados os grupos religiosos radicais anti-aborto e, como consequência natural neste contexto, houve padres que levaram a sério o radicalismo: foi o caso do Pe. Nuno Serras Pereira e é agora o caso do Pe. Domingos Oliveira. Estes padres limitaram-se a levar até às últimas consequências a posição expressa pelos bispos e provam, pelo seu excesso, a desadequação da "Meditação sobre a vida". O aborto será um mal mas não se pode fazer dele o mal absoluto, sob pena de se dizerem as barbaridades que disse o pároco de Lordelo do Ouro.
Agora que a maioria política mudou, andam as deputadas católicas do PS a tentar sem sucesso salvar uma posição análoga àquela que, há um ano, a Conferência Episcopal se dava ao luxo de desprezar e andam os movimentos anti-aborto a ser desacreditados por declarações desligadas da realidade.
9 comentários:
Bom post e é bom que se deixe de perseguir as mulheres por abortarem.
A proposição afirmada na «Meditação sobre a Vida» - o embrião = a pessoa humana - é muito clarificadora, a mais de um título. A sua argumentação:
(i) É contrária à modificação liberalizadora da lei actual;
(ii) É contrária à solução contida na lei actual (distinção entre homicídio e aborto e despenalização deste em situações excepcionais);
(iii) E é contrária à solução contida na lei revogada pela lei actual (que já discriminava em termos punitivos a vida intra-uterina).
Os dois sacerdotes em causa fizeram uma leitura correcta daquela Meditação. Mas ainda é possível ir mais além. Que dizer da legítima defesa de terceiro? E do crime de omissão de auxílio (art. 200º CP)?
Quando as palavras deixam de significar o mesmo para todos, no mínimo cessa a comunicação; mas o conflito também é uma boa possibilidade.
Caro colega anonimo. Estava neste planeta quando se realizaram as últimas eleições? Depois falamos...
Obrigado wind. E obrigado pelo apoio, primeiro anonymous.
Excelente post :-)
1st anonymous:
Caro 2nd anonymous:
Provavelmente estaremos de acordo quanto ao post de CA, aliás muito objectivo. Apenas pretendi sublinhar, desenvolvendo (e denunciando) até ao absurdo, o que me parece ser o fundo da questão e quais as consequências, de resto historicamente comprováveis, do tipo de tom e atitude adoptado pela hierarquia (a identificação embrião-pessoa, por ora, ainda é sobretudo retórica...). O sacrifício da liberdade em favor da (ou de uma?) verdade conduz inexoravelmente ao sacrifício de pessoas.
Obrigado, Palmira :-)
Caro primeiro anonimo,
Estamos entendidos!
Acho que voces catolicos progressistas se deviam preocupar um pouco mais em falar para o povo...
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