E Afonso da Maia respondia com bom humor:
- Então que lhe ensinava você, abade, se eu lhe entregasse o rapaz? Que não se deve roubar o dinheiro das algibeiras, nem mentir, nem maltratar os inferiores, porque isso é contra os mandamentos da lei de Deus, e leva ao inferno, hem? É isso?...
- Há mais alguma coisa...
- Bem sei. Mas tudo isso que você lhe ensinaria que não se deve fazer, por ser pecado que ofende a Deus, já ele sabe que não deve praticar, porque é indigno de um cavalheiro e de um homem de bem...
- Mas, meu senhor...
- Ouça, abade. Toda a diferença é essa. Eu quero que o rapaz seja virtuoso por amor da virtude e honrado por amor da honra, mas não pelo medo das caldeiras de Pero Botelho, nem com o engodo de ir para o Reino do Céu...
- Mas o verdadeiro dever de um homem de bem, abade, é quando vem, depois de semanas de chuva, um dia destes, ir respirar pelos campos e não estar aqui a discutir moral. Portanto arriba! E se o Vilaça não está muito cansado, vamos dar aí um giro pelas redondezas.
O abade suspirou como um santo que vê a negra impiedade dos tempos de Belzebu arrebatando as melhores reses do rebanho; depois olhou para a chávena e sorveu com delícia o resto do seu café.
Eça de Queirós, Os Maias, Capítulo III
2 comentários:
Ora bem:)
Vejo que já tens o computador de volta!
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