sexta-feira, janeiro 13

A oração de sapiência

A oração de sapiência é uma tradição medieval. É amplamente cultivada por muitas instituições universitárias portuguesas. Em especial por aquelas cujas origens remontam pelo menos à última década do milénio passado. Na sessão solene de abertura do ano lectivo, um professor especialmente convidado para o efeito profere um discurso sobre um tema à sua escolha. O importante não é o tema ou as ideias que expressa mas sim a forma como fala, o seu domínio da oratória.
Na Idade Média era vulgar o primeiro capítulo de um livro ser destinado apenas a mostrar os dotes oratórios do autor, tendo pouca ou nenhuma relação com o resto da obra. Michel Foucault recuperou essa tradição em 1966 com Las Meninas.
Quatro anos antes tinha-se iniciado um dos grandes clássicos do cinema, a série 007. Todos os filmes desta série começam com uma cena que não tem nada a ver com o resto do filme. Esta cena destina-se apenas a realçar as extraordinárias capacidades de comandante Bond. Uma versão cinematográfica da oração de sapiência.
Humberto Eco, um medievalista famoso, elabora a síntese entre estas duas versões da oração de sapiência n'O Nome da Rosa. Na cena inicial o Abade Guilherme demonstra-nos as suas excepcionais capacidades intelectuais ao descrever um cavalo que nunca viu. Até descobre o seu nome.
Já tropeçaram nalguma oração de sapiência?

3 comentários:

Orlando disse...

O Setúbal lembrou-me outro dia o segundo Indiana Jones, que começa com uma homenagem aos filmes do 007: a fantástica cena do cabaret.

lino disse...

Sim, ao som do Anything Goes de Cole Porter e, salvo erro, com um frasquinho de veneno a passar de pé em pé. Cena magnífica.

Orlando disse...

Um outro exemplo é o primeiro capítulo do Pêndulo de Foucault. É um exercício de estilo sobre o dito pendulo. Um pouco enfadonho, como toda a oração de sapiência que se preze.
Humberto Eco escreveu um livrinho onde se explica como fazer uma best seller. Depois passou da teoria à prática. Segundo Eco um best seller é sempre uma pastiche de todos os livros que o condicionam a atmosfera literária da época.
No caso do pêndulo o primeiro capítulo remete como não podia deixar de ser para "As palavras e as coisas" de "Foucault". Convém lembrar que este Foucalt não tem nada a ver com o pendulo.
O extraordinário capítulo sobre o ocultismo em Salvador da Bahia é uma "citação" dos Tristres Trópicos, de Claude Levy Strauss (não tem nada a ver com as jeans).
A cena final é um plágio dos Cem Anos de Solidão.
Não leio assim tantos romances. Não consigo identificar mais nenhuma homenagem.
Se alguém puder dar uma ajuda...