quarta-feira, maio 10

O mercado e a vida

Pergunta a Maria da Conceição quanto vale uma vida humana. Escrevi em tempos um artigo sobre o assunto. Na prática, atribuimos todos os dias valor à vida de uma pessoa de forma indirecta. Nós próprios atribuimos à nossa vida um valor quando com decidimos gastar mais ou menos dinheiro na segurança do nosso carro, quando escolhemos voar numa comanhia de aviação que dá um pouco mais de garantias ou arriscamos voar num charter meio esquisito.
É possível portanto determinar o preço que na pratica uma sociedade atribui a uma vida humana. Mas não é disso que estavamos a falar, dirão alguns. Estamos a falar do valor intrinseco de uma vida humana.
Qual é o valor intrinseco de uma escova de dentes?
Marx procurou determiná-lo na primeira parte d'O Capital, onde analisa a teoria do valor. O valor intrinseco da escova de dentes é a quantidade de trabalho que se gastou na produção da escova. É hoje claro para quem se debruçou sobre o assunto que não existem forma de dar um sentido a essa quantidade de trabalho. O valor da escova de dentes é aquele que lhe é atribuido pelo mercado. Mercado = processo de interecção social que determina o valor dos bens.
À escova, tal como à vida humana, não se podem atribuir valores absolutos.
Desta vez Marx e a Igreja Católica estão de acordo.

15 comentários:

maria disse...

Voltámos às provocações! Estamos bem, estamos.
Vou dormir sobre o assunto. Mas isto não é só assim como o pintas.
O sr das barbas até fica aí muito bem, mas não chega.

E já que o post é sobre a vida... é sempre bom ver-te ressuscitado. A Páscoa ainda não acabou...

Anónimo disse...

Ao certo o que se quererá dizer "dar valor", será arranjar uma unidade de medida do valor e medir o valor no sentido de dizer que ele é x vezes a unidade de medida? Talvez possamos fazer isso. Por exemplo, tomando como unidade de medida o valor de uma escova de dentes, podemos dizer que duas escovas de dentes têm valor 2. Mas já não sei o valor da pasta de dentes...

Isto parece discussões meio sérias, meio malucas, que eu tinha no newsgroup pt.ciencia.geral há uns anos. :-)

www.blog.jaimegaspar.com

Sofia disse...

Realmente...! Que provocador! Também vou pensar. Volto depois.

Orlando disse...

Jaime,

a forma como se dá valor é bastante solida. A escova de dentes vale o preço que o mercado lhe atribui a cada instante. Não é obvio que n escovas de dentes valham n vezes o valor de uma escova...
A maneira como se atribui valor a uma vida humana é indirecta, mas relativamente objectiva.

Desta vez, não estou a ser nada provocador, MC.
Pelo menos, não estou a tentar sê-lo:)

António Araújo disse...

É evidente que n escovas de dentes não valem n vezes o valor de uma, embora duas - num mercado em que ha muitas - valham provavelmente *aproximadamente* duas vezes esse valor. Embora nem isso seja claro, quantas vezes já vimos "leve duas pelo preço de uma"? :)

Uma acção da companhia X vale Y Euros se eu tentar vender 100 accoes, mas quando um grande vendedor tenta despejar rapidamente uma batelada delas, elas valem X menos muito.

O que o ON está a referir é demasiado complexo para a maioria perceber. Porque a maioria ainda acha que a estatistica é uma grande confusão e a matemática é uma grande seca. Trata-se de usar a teoria da decisão como problema inverso. Em tempos eu divertir-me-ia a tentar explicar também. Agora divertir-me-ei a ver-te descalçar a bota, ON :)

A linguagem da Natureza é a matemática. Boa sorte com o hand waving :) Dá para fazer, mas eu ando demasiado exausto :)

Eu agora "é mais" cores :)

Sofia disse...

Ah, bom! Sendo assim, já nem preciso de pensar mais.
Se o OMWO, que percebe tudo muito facilmente e é o meu heroi, diz que "(...) é demasiado complexo para a maioria perceber. (...)", já nem vale a pena tentar.
Até porque a minoria é... apenas ele.

António Araújo disse...

Fico muito feliz por ser o teu herói, Sofia :)

Vejo que tens bom gosto e refinado discernimento :)

Sofia disse...

A tua felicidade, OMWO, é o principal motivo da minha existência, como toda a gente sabe. Agora explica-nos lá, por favor, como se usa a teoria da decisão como problema inverso... se fores capaz, claro...

António Araújo disse...

>A tua felicidade, OMWO, é o principal >motivo da minha existência, como toda a >gente sabe.

E é assim mesmo que deve ser. Mais gente seguisse o seu nobre exemplo, minha querida, e o mundo não andaria da forma que anda!...No MEU tempo não era assim!...:)

>Agora explica-nos lá, por favor, como >se usa a teoria da decisão como >problema inverso...

eu queria dizer "trata-se de um problema inverso de teoria da decisão" mas ando tão preguiçoso que nem articulei bem a coisa...

>se fores capaz, >claro...

Não só sou como fui. Uma vez, quando andava a ler sobre isso, referi ao ON um exemplo muito elucidativo no qual ao que me recordo ele até baseou um post. Tinha a ver com uma analise de custos em que explicitamente se atribuía um valor monetario à vida de uma criança. Uns politicos recusaram essa barbaridade, mas, ao tomarem uma decisão contrária às recomendações do estudo atribuiram *implicitamente* à vida de uma criança um valor desconhecido mas necessariamente mais baixo do que esse valor explicito.

Ao que me recordo tu tb fizeste uns comentarios nesse post. Tinham a ver com a historia de que se eu comer dois bolos e tu nenhum, a estatistica diz que, etc, etc, e foi nesse dia que eu decidi que ja nao te voltava a falar de estatistica a não se que queimasses hecatombes a
Marte e Dionisus. :)

E eu sei que não queimaste :p

Sofia disse...

Raios!

Este Blogspot... Já tinha escrito a resposta. Enoooorme.

Perguntava, nessa resposta (pausa para apreciar a beleza deste início de frase, se me é permitido), se a matemática sustenta, de alguma forma, a ideia de que faz sentido comparar o valor de uma vida, humana ou não, ao de um objecto.
E se a matemática também acha que tudo é redutível ao vil metal, já agora.

Perguntava também, com pode alguém que mal acabou de nascer, utilizar a expressão "no MEU tempo"...

Entretanto, lembrei-me da parte mais importante dessa resposta, que o blogspot fez o favor de fazer desaparecer (fez o favor de fazer... mais uma pausa, se me permitem). Parte essa, alusiva ao facto de eu não ter, seguramente, falado em bolos. Porque falo sempre e só em lagostas, quando o assunto é estatística. Sempre.

Quanto ao resto - e passo a reescrever-, não conheço nenhum "DioniSUS", não sou pirómana, só sou sádica em anos bissextos e, LBNL, os meus sacrifícios vão todos direitinhos para a lua.

António Araújo disse...

>e a matemática sustenta, de alguma forma, a >ideia de que faz sentido comparar o valor >de uma vida, humana ou não, ao de um >objecto.

O que a *observação* sustenta, é que o fazemos *num certo sentido*, de forma implicita, quer o queiramos quer não. A matemática verbaliza esse sentido. Isso acontece quer o admitamos quer não. A unica coisa que muda se o admitirmos é que passaremos a ter consciência de como o fazemos exactamente, e podemos tomar melhores decisões, ou mais honestas. É dessa honestidade dura que nos protegem os lirismos pitorescos das avestruzes.

>Quanto ao resto - e passo a reescrever-, >não conheço nenhum "DioniSUS"

Dioniso, se insistes em ser Portuga. A não confundir com Dionísio, como é mau hábito.

>não ter, seguramente, falado em bolos

Croissants?

Sofia disse...

Dioniso, seja. Não tenho link para a wikipedia nos favoritos e continuo sem saber quem é.
Tenho hábitos péssimos, de facto...
e muito orgulho em ser portuguesa.

Obviamente que valorizamos uma vida, tal como valorizamos um objecto. Mas terão os valores que atribuímos a cada um, o mesmo significado?

Uma escova de dentes não vale uma vida. A vida de um filho, vale a de uma mãe. No meu caso, por exemplo. Não consigo dar valor à vida das minhas filhas através de números. Nem que chegasse ao pormenor de contar quantas fraldas e chuchas usaram e o dinheiro que foi necessário para as comprar. O valor da vida não é quantificável. Comparável, talvez. A vida delas vale, para mim, mais do que a minha. Mas quanto? É um absurdo.

Acabei de mudar os quatro pneus do meu carro. De acordo com as palavras do ON, eu valorizo muito a vida de quem anda no meu carro. É verdade. Valorizo a minha, a das minhas filhas, a da minha mãe...
Mas:

Se valorizasse mesmo muito, tinha comprado uns Michelin, não era?
E passava um atestado de incompetência à minha condução? A forma como guio também tem algum valor? Faz algum sentido discutir isto? Pergunto uma vez mais: Há mesmo quem pense que tudo é redutível a um valor monetário?

A vida tem valor, sim. Tudo tem valor. Mas preço, não. Por muito que lho atribuam, a vida, qualquer vida, não tem preço.

Orlando disse...

Sofia,
este post é formado por uma série de observações a um post da MC e aos comentários que por lá apareceram. Não fui eu que levantei a questão do valor da vida humana.

Limitei-me a dizer que, se se quer discutir o valor da vida humana, então...

António Araújo disse...

Sofia, é por isto que eu ja nao tenho paciencia para elaborar. Ha um sentido para essas atribuições de valor, e ha um sentido em que elas são uteis. Ha mesmo um sentido em que elas são automaticas e inevitaveis. É como discutir se ha gravidade é boa ou não. Mas não se consegue sequer começar a discussão porque as pessoas pouco dadas a esse tipo de exercicios mais avançados de lógica reagem imediatamente extrapolando para campos que não são chamados ao barulho. Era o caso dos tais politicos da historia, e é o teu caso agora. E é por isso que eu deixo o assunto para quem estiver numa de Zaratustra que desceu da montanha, que penso ser de novo o caso do ON. Eu estou firmemente, por agora, mais perto do firmamento. E nao pretendo de lá sair.

Nota, nada do que eu disse acima pretende ser uma agressão contra ti. Se digo "pouco dados a exercicios avançados(...)" não quero dizer de forma alguma pouco inteligentes nem nada que se pareça. É apenas a afirmação de um facto: ha um nivel a partir do qual a esmagadora maioria das pessoas - mesmo das pesoas inteligentes - não se aventura. Nem que seja por falta de vontade, de gosto, ou de vocação. Fica a cargo de cada um, mas podiam não fazer afirmações peremptorias acerca de coisas que não estudaram e cujo sentido não adivinham.

As afirmações tontas que se fazem por aí acerca da estatistica são tipicas - dizem-se umas coisas giras tiradas do contexto, umas piadas que supostamente lhe tiram o valor, e assim esquivam-se a ter que aprender uma disciplina cujos rudimentos são essenciais ao pensamento racional avançado. E por vezes mesmo ao mais elementar. Perdemos todos com isso.

Sofia disse...

É muito interessante, este teu comentário, OMWO.
Pelo que percebo dele, dizes que é típico de quem desiste, antes de tentar compreender, não perceber "esse tipo de exercicios mais avançados de lógica".
No entanto, desististe de tentar ajudar a entender.
Eu pedi. Eu queria ver a lógica. Essa tal, mais avançada. Se quem a sabe não a partilha, perdemos, de facto, todos com isso.
Ou talvez não...
Tu ganhas o firmamento, eu ganho o vale, com uma vista soberba para a montanha.