Acordei impaciente na manhã do meu primeiro dia de aulas. Finalmente a vida a sério ia começar! Entrámos na sala de aula e sentámo-nos. O professor Bernardo entrou depois de nós. Sentou-se na sua secretária em silêncio e iniciou uma estranha tarefa: cortou uma folha de papel almaço em tiras e escreveu qualquer coisa em cada uma delas. Entregou a cada um de nós uma tira. Usou então pela primeira vez da palavra: naquelas tiras estavam escritos os nossos nomes. Se no dia seguinte não soubéssemos escrever o nosso nome completo levaríamos uma reguada. Levaríamos uma reguada todos os dias até ao dia em que o tivéssemos aprendido. Foi o meu primeiro contacto com os seus famosos métodos pedagógicos. Eu tinha alguma dificuldade a escrever um dos meus apelidos, um pouco mais longo do que o habitual. Aprendi a escrevê-lo no preciso instante em que o professor Bernardo acabou de falar. Alguns dos meus colegas levaram reguadas durante meses.
A seguir ao Natal as coisas começaram a organizar-se. Os alunos foram divididos por três filas: a fila dos bons, a fila dos médios e a fila dos burros. Foram escolhidos os três melhores alunos, apelidados carinhosamente pelo professor de cócó, ranheta e facada, os três da vida airada. Nunca soube se era o cócó, o ranheta ou o facada.
Quando a aula começava colocávamos os nossos cadernos na secretária do professor. Enquanto o professor corrigia os trabalhos de casa nós fazíamos uma cópia. Depois o cócó, o ranheta e o facada distribuiam os cadernos pelas três filas. Éramos supostos dizer ao professor quais eram os alunos que não tinham entregado o caderno, para apanharem reguadas. A mim esta tarefa nunca me afectou grandemente. As regras do jogo eram claras, eu só tinha que as seguir. Um dos meus colegas de distribuição, ainda hoje meu amigo, suava litros de suor enquanto distribuia os cadernos e os outros alunos lhe imploravam que ele não os denunciasse.
O professor tinha corrigido os trabalhos e sabia perfeitamente quem é que tinha entregado os cadernos. As nossas hesitações matinais sobre denunciar ou não denunciar os colegas eram obviamente o complemento ideal para o seu café da manhã. Para mim o fascismo era algo muito concreto: a minha escola primária.