segunda-feira, abril 28

domingo, abril 27

O caçador desempregado 2

A Hermengarda estava insatisfeita com o Prudêncio. Chegava a casa e só lia o jornal. Enquanto ela fazia a comida, limpava a casa e tratava dos filhos. Educá-los era especialmente complicado porque ele não era um grande exemplo para as crianças. Ainda a desautorizava uma vez por outra quando ela os mandava para a cama às dez horas ou os mandava arrumar os brinquedos.
Foram a um centro de aconselhamento para casais. O Prudêncio pouco tinha a dizer. Resistia como podia às invectivas da Hermengarda, fazendo por não incentivar a sua ira. A psicologa pediu-lhes que fizessem um diário durante a semana onde especificavam que tinham feito a cada hora e o grau de satisfação que obtiveram de cada actividade. É claro que o Prudêncio só escrevinhou alguma coisa durante os dois primeiros dias.
A Hermengarda acabou por pedir o divórcio. Passou a ser mais facil educar os filhos sem os maus exemplos do marido. Passou a ter algum tempo para ela quando os miudos iam passar o dia com o pai. O Prudêncio parece ter tido mais dificuldade em se adaptar à vida de solteiro. Quando se convenceu que a decisão da Hermengarda era irreversível, começou a sair com uma colega de escritório. Mudou-se rapidamente para casa dela, voltando aos velhos hábitos.

sábado, abril 26

sexta-feira, abril 25

Depuralina

A depuralina voltou hoje ao mercado. Foi encontrado um nexo causal entre o uso deste suplemento alimentar (!) e as reacções alergicas encontradas. Como ocorreram poucos casos, tudo ficou na mesma. Terão decidido bem as autoridades sanitárias?
Não acho que haja razões para proibir a venda deste produto mas é ridículo e irresponsavel classificá-lo como suplemento alimentar.
Várias correntes da medicina alternativa defendem que o nosso organismo vai acumulando detritos ao longo dos anos em vários orgãos. Para além da gordurinha. Consideram que o intestino grosso está cheio de matéria fecal branca em estado de pós putrefacção, que o fígado e a vesicula biliar acumulam detritos que prejudicam o seu funcionamento. Acham que se nos livrarmos desses detritos o funcionamento desses orgão melhorará consideravelmente e isso se reflectirá na nossa vitalidade e na nossa capacidade de resistir às doenças. A medicina oficial é ceptica em relação a estas afirmações. A medicina não se preocupa por aí além com a nossa saúde. Normalmente concentra-se mais em eliminar os sintomas das nossas doenças, da forma mais lucrativa possível para as grandes empresas farmaceuticas. É natural que não se preocupe com o tipo de questões referidas acima.
Como é que se podem eliminar esses resíduos? Existem vários processos de limpeza que envolvem dietas e a ingestão de alguns produtos que devem ser ingeridos com certos cuidados, como o psyllium. Um laxante particularmente forte. Qualquer corrente séria de medicina alternativa que proponha este tipo de tratamentos aconselha que a pessoa em questão comece por adoptar uma alimentação mais saudavel, tendencialmente vegetariana, que inicie um processo de desintoxicação do organismo. Só depois se parte para uma segunda fase onde se procura eliminar os tais resíduos. Se se saltar a primeira fase podem surgir todo o tipo de problemas.
A empresa que comercializou a depuralina pegou num processo de limpeza com várias fases, eliminou as primeiras, que não são apelativas para o grande público, e apresentou-o como um novo processo de perda de peso. Não se deu ao trabalho de explicar aos consumidores os riscos envolvidos porque a tal não estava obrigada, uma vez que tinha conseguido que o produto fosse apresentado como um suplemento alimentar. Também não se deu ao trabalho de referir que a medicina oficial não reconhece qualquer valor a este tipo de produtos. Esta empresa age assim porque pode. E nós deixamos.

Da fragilidade das nossas ilusões

Roma continuou a ser Roma depois da queda de Roma. Quem tinha que aturar um imperador despótico passou a ter de hospedar em sua casa um dos lugares tenentes do último chefe barbaro que conquistou a cidade. Alguém tão belicoso e imprevisivel como alguns membros da família imperial, mas sem as suas boas maneiras. Fora isso nada tinha mudado, excepto que agora era mais dificil arranjar escravos. Até que um dia um desse barbaros resolveu destruir o aqueduto. Como ninguém teve a vontade e a capacidade de o reconstruir, todos os que o puderam fazer abandonaram a maior cidade da cristandade, que se transformou de um dia para o outro numa aldeia.
A nossa civilização é um pouco mais fragil do que parece. As nossas cidades e as nossas vidas estão organizadas como se o petroleo fosse um recurso inesgotavel. Algumas das medidas que têm sido tomadas para contrariar essa dependência têm efeitos colaterais que podiam ter sido antecipados. Veja-se por exemplo o caso da produção de biodiesel a partir de arroz, soja, trigo e milho, que nos trazem de volta o espectro da falta de alimentos. Pois é, há por aí muito rico que se tiver de escolher entre a sua gasolina e a comida do outro, prefere a sua gasolina. Alguém tem dúvidas sobre isso? A Constituição pode garantir tudo aquilo que nós quizermos, mas ninguém come a Constituição.
Pode-se discutir à vontade se o aquecimento global é a sério ou a brincar, mas só um louco pode usar esse debate para se tentar esquecer de que não podemos continuar a poluir o planeta impunemente.
Se queremos ter um mínimo de controle sobre o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos não podemos deixar que as instituições democraticas continuem a degradar-se, se é que ainda funcionam. Se a democracia formal não está em risco, o que é que existe para além da ilusão da escolha? A aprovação do tratado cá na terrinha sem consulta pública e, pior que isso, sem discussão, não é perigosa por pôr em risco a soberania nacional, que há muito deixou de existir. É perigosa porque as instituições europeias não estão a ser controladas pelos europeus. A democracia é cada vez mais uma ilusão.
A crise do PSD pode dar vontade de rir, mas não tem graça nenhuma. Num sistema em que pouco mais se pode fazer do que escolher entre dois partidos e usar os outros como depositários do voto de protesto, se um entra em coma ficamos nas mãos dos dirigentes do outro.
É por isso que o 25 de Abril não é mais um feriado para comemorar uma vez por ano.

quinta-feira, abril 24

O caçador desempregado 1

Aproveitando-se da omissão legal sobre o sexo do chefe de família, Carolina Beatriz Ângelo - médica, viúva e mãe de duas crianças - faz prevalecer a sua condição de chefe de família para depositar o seu voto nas eleições para a Assembleia Constitucional de 1910. Em consequência, a lei foi modificada de forma a estabelecer claramente que só os homens podem exercer o direito de voto. Em 1931 o direito de voto é concedido às mulheres com o ensino secundário concluído. Os homens podiam votar desde que soubessem ler e escrever. Em 1946 as restrições ao direito de voto das mulheres são diminuídas, mas só são completamente eliminadas em 1974. Comemora-se este ano o trigésimo aniversário da revisão do Código Civil que assumiu que os dois cônjuges gozam de direitos iguais.
As mulheres conseguiram agora uma igualdade ainda imperfeita. Começam mesmo a ser a maioria em alguns sectores importantes, como por exemplo a Universidade. Não estão porém seguras de ter feito um bom negócio. Trabalham tanto como os homens fora de casa, continuando uma boa parte delas a desempenhar o grosso das tarefas domésticas. Os casos de depressão multiplicam-se. Suspeitam que foram enganadas. Uma vez por outra usam o seu novo poder, mais as manhas antigas, para se vingarem dos preguiçosos que as exploram. Ou limitam-se a pô-los na rua.

quarta-feira, abril 23

Vou a Cuba enquanto o Diabo esfrega um olho

O Dr. Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos exprimiu ontem a sua raiva perante o facto de quatro camaras municipais portuguesas terem estabelecido protocolos com o governo cubano no sentido de enviarem a Cuba os seus municipes com cataratas e outros problemas oftalmologicos. Acusa as camaras de eleitoralismo. Até se esquece que está a tentar ser juiz em causa propria.
A globalização é um fenomeno inevitavel ao qual nos temos de resignar quando fecha uma fabrica de texteis no vale do Ave. Quando belisca os previlégios da classe dominante, já é outra história. Actualmente um americano pode ir à India fazer uma operação ao coração num hospital de luxo, com equipamentos da última geração, operado por médicos conceituados, passar a convalescença num resort cinco estrelas junto às aguas quentes do oceano Indico, fazer a viagem de ida e volta em primeira classe e mesmo assim gastar metade do dinheiro que teria de pagar só pela operação nos Estados Unidos. Por causa dos seguros contra problemas judiciais e por causa dos preços inflacionados a que a saude é vendida nos EUA. As portuguesas já descobriram que com o euro cada vez mais forte, os aviões cada vez mais baratos e os médicos cada vez mais caros, vale mesmo a pena ir passar uma férias ao Brasil e voltar de lá a fazer inveja às amigas. Com os empréstimos loucos que a banca faz(ia), nem foram só as ricas que o fizeram.
Quem necessitar de um tratamento dentário mais sério, colocar uma protese num joelho ou na anca, ou quiser fazer um check up completo, talvez valha a pena considerar a hipótese de o ir fazer à Argentina, à Costa Rica, à Malásia ou à África do Sul. O turismo médico é uma industria em explosão. Cuba atrai vinte mil turistas da saúde por ano. Não são todos enviados pela Camara Municipal de Vila Real de Santo António.
O estrangulamento das entradas nos cursos de medicina tornou o próprio governo refém da classe médica. As reformas antecipadas de medicos e/ou a sua passagem para o sector privado colocam em risco o funcionamento do serviço nacional de saude tal como o conhecemos. Não é muito bom, mas pode vir a tornar-se bem pior. Alguma coisa tem de ser feita. Quatro camaras municipais romperam o monopólio do Dr. Nunes. Que outras lhes sigam o exemplo.

segunda-feira, abril 21

Ensino-Aprendizagem 2

A antropologa Margaret Mead reparou que os nativos de Bali, embora fossem capazes de executar danças extremamente complexas, não eram capazes de passar o peso de um pé para o outra através de um pequeno salto. Será possível ensinar-lhes a executar este movimento tão simples? Só vejo uma forma de o fazer: mostrar como se faz e pedir-lhes para repetirem. Acontece que esta demonstração não ajuda nada.
Um dia Mead perguntou a Moshe Feldenkrais qual poderia ser a razão desta incapacidade. MF respondeu-lhe que provavelmente durante os primeiros meses de vida os nativos de Bali não tiveram oportunidade de aprender a rastejar. Mead respondeu-lhe que efectivamente durante os primeiros sete meses de vida os nativos de Bali não deixam as suas crianças tocar o chão. Ao que parece saltar de uma perna para a outra é algo que não pode ser ensinado mas apenas aprendido através de um longo e complexo processo que nos é estranho.
O longo processo de aprendizagem que nos leva a ser capazes de pensar racionalmente e de resolver problemas tem algo de semelhante ao longo processo que nos leva a aprender a andar e a fazer outros movimentos particularmente difíceis. O bébé necessita de passar um longo tempo a arrastar-se pelo chão e a gatinhar para desenvolver todas as conexões neuronais que lhe virão a permitir descer uma escada, andar de bicicleta ou dar um salto mortal. Não interessa aprender a gatinhar mas sim aprender a gatinhar de várias formas. A curiosidade ajuda a desenvolver novas sinapses que interligam diferentes movimentos. Se esse processo for encurtado por aplausos perante os seus progressos ou por necessidade de ser precoce para agradar aos familiares o resultado final será uma coordenação neuro-motora deficiente.
Como é que se ensina um aluno a resolver um problema de matemática? Na verdade, não se ensina. O pedagogo pouco mais pode fazer do que descobrir qual é o faixa do desenvolvimento intelectual do aluno em que um certo problema já está ao seu alcance e por outro lado ainda pode estimular o seu desenvolvimento. Como é que o aluno aprende? Experimentando, muitas vezes, de muitas formas. Há dez maneiras de multiplicar 36 por 15 e convem conhecê-las todas. Vamos aprender assim o que são as propriedades associativa, comutativa e distributiva. Se derem ao miudo uma maquina de calcular, nunca vai aprender a "gatinhar". E não vai perder mil oportunidades de aprender. De desenvolver o conjunto de ligações cerebrais que se iluminará quando o tal problema que não se ensina a resolver lhe é apresentado. É trágico que aqueles que defendem as maquinas de calcular sejam exactamente os mesmos que defendem o ensino-aprendizagem.
O bébé necessita de um ambiente de carinho à sua volta para ter condições de explorar o seu corpo com curiosidade. Aprender deve ser facil, não pode ser acompanhado de qualquer tipo de crispação. Daí concluem alguns pedagos que também o jovem que frequenta o ensino secundário necessita do mesmo tipo de ambiente. Até certo ponto, é verdade. Esquecem-se porém que, para além de necessitar de aprender, o jovem também precisa de ser ensinado. Esquecem-se de que as condições de aprendizagem para um adolescente podem ser um pouco diferentes. O stress que acompanha o processo de aprender a andar de bicicleta não só é indispensavel como nos permite aprender a aprender doutra forma.
Cada parte de nós que é menos utilizada fica velha quando deixa de aprender. Aprenda qualquer coisa um destes dias que necessite de tanto stress como aprender a andar de bicicleta. Stress can be fun.

sexta-feira, abril 18

Entrevista com um carjacker

A vida dos ladroes de automoveis esta dificil. O tempo das ligacoes directas ja passou. A SIC resolveu entrevistar outro dia um profissional obrigado a reconverter-se. Com cara tapada e voz destorcida, claro.
- Então como e que o senhor escolhe as suas vitimas?
- Olhe, prefiro assaltar homens. Sabem comportar-se.
As mulheres, nunca se sabe o que vao fazer.
Algumas ate tentam tirar-nos a mascara, veja la.

quinta-feira, abril 17

quarta-feira, abril 16

Para que serve o poder?

Ter poder serve, entre outras coisas, para que não o exerçam indevidamente sobre nós.
Eu costumava pensar que estava acima dos patéticos jogos humanos. Costumavam repugnar-me. Tentava ficar do lado de fora, e apesar disso (na verdade por causa disso) eles acabavam sempre por "encontrar-me", e atingiam-me ainda mais do que àqueles que me rodeavam e que pareciam abraçar mais naturalmente "a ordem natural das coisas". Eu costumava achar isso estranho. Agora percebo que mesmo que estejamos deles conscientes, e mesmo que nos repugnem e nos pareçam despreziveis...mais vale saber jogá-los. Às vezes a unica forma de ficar fora deles é jogá-los muito bem. É uma lição estranha que, no final de um longo percurso, por vezes acabamos por descobrir que o melhor mesmo é fazer as mesmas coisas que as outras pessoas...e jogar os mesmos jogos...mas melhor, e, acima de tudo, por motivos diferentes.
Eh, eu não digo que gosto disto, mas ninguem disse que eu tinha que gostar...

OMWO, comentário ao post A Mulher de Bath.

segunda-feira, abril 14

Paul Klee - Domes

domingo, abril 13

A mulher de Bath


Uma MULHER de BATH havia em cena;
Mas era meio surda, o que era pena.
De bons tecidos era fabricante,
Chegando a superar Yprês e Gante.
Tirar-lhe alguém na igreja a precedência
No beijo da relíquia era imprudência,
Porque ela abandonava as boas maneiras
E perdia de vez as estribeiras.
Em sua vida digna e benfazeja
Cinco vezes casara-se na igreja —
Fora os casos de sua juventude
(Falar disso, porém seria rude).

A mulher de Bath é um dos Contos de Canterbury. Chaucer narra a história de vinte e nove peregrinos que saem de Londres rumo à cidade da Cantuária, a fim de visitar o túmulo de Tomás Beckett. Para que os peregrinos se distraiam e tornem a viagem mais amena, o Taberneiro sugere que cada um dos peregrinos conte duas histórias na ida e duas histórias na volta, e que a melhor história será por ele premiada com um lauto jantar. O conjunto dos peregrinos, que retrata num amplo painel da sociedade medieval, está composto por tipos variados, homens e mulheres de diferentes ofícios e originários dos diferentes extratos sociais. Participa deste grupo uma exuberante e alegre viúva. Alice conta a história de seus cinco maridos, das suas contendas com cada um deles e apresenta a sua receita infalível para um casamento feliz. As mulheres devem manter o comando da relação. Terminado o prólogo, conta-nos a sua história.

Era uma vez um jovem da corte do Rei Artur que caçava na floresta. Encontra uma donzela e num impulso violento arrebata-lhe a virgindade. O rei decide que o jovem deverá morrer decapitado. Dado o veredicto, a Rainha dá-lhe uma possiblididade de escapar com vida. Será poupado se for capaz de explicar a todos dentro de um ano e um dia o que é que as mulheres mais desejam.
O jovem não encontra nenhuma explicação satisfatória: para uns o que as mulheres mais desejam é casar, para outros, belas roupas e adornos, cortesia e adulação masculina, ou ainda o desejo de ser livres e fazer o que bem entenderem. O jovem desesperado, já no caminho de volta, teme pela sua vida.
Encontra na floresta uma velha que oferece a sua ajuda e sabedoria. Em troca ele deverá realizar-lhe um desejo. Sussurra-lhe a resposta em segredo e ele parte ao encontro da Rainha. Majestade, o que as mulheres mais ambicionam é mandar no marido, ou dominar o amante, impondo ao homem a sua sujeição. Vossa Majestade agora pode fazer comigo o que quiser: estou a seu dispor.
O jovem é absolvido pela Rainha. Neste momento a velha entra em cena e pede à rainha que seja feita justiça. Quer que o rapaz se case com ela. A Rainha e o rapaz concordam. O jovem chora sua desgraça e parte com a velha. E ela, no entanto, faz com que ele pense nos valores verdadeiros e na superficialidade das aparências. Pergunta-lhe o que ele prefere: que ela seja uma mulher feia e velha, mas submissa e fiel ou que ela seja jovem e atraente, mas que receba visitas em sua casa. O jovem resignado diz que confia na sabedoria da velha e que, certamente, ela poderá escolher o melhor para eles. Se ela pode escolher, ele concorda que é ela quem deve mandar? O jovem concorda. Então a velha beija-o e transforma-se numa jovem deslumbrante. Garante-lhe também que nunca usará da prerrogativa de lhe ser infiel.

quinta-feira, abril 10

Aqui ao lado

Ouve-se por aí que o boom da indústria da construção em Espanha é algo totalmente anormal. Uma imagem vale mil números. A distância a percorrer desde que se entra na cidade de Valladolid até chegar ao centro, quando se vem de Portugal, triplicou em 10 anos. Pergunta-se: quem é que vai comprar aquilo tudo? Uma boa parte está por vender.

Entretanto muito espanhois andam loucos com la Bola. Não tem nada a ver com o futebol. É um esquema em piramide em que se entra com dez mil euros e se vem a ganhar setenta mil se conseguirmos convencer um número suficientemente grande de pessoas a fazer o mesmo. Fazem-se reuniões semanais para analisar a evolução do negócio. Os participantes são avisados por telemovel do hotel em que vai decorrer a reunião seguinte com meia dúzia de horas de antecedência. Depois eu conto como é que isto acabou.

Muito se especula sobre quais as razões que levam a que Ronaldinho e Deco não joguem no Barcelona. Lesões, problemas disciplinares? Fontes bem informadas dizem que eles estão cheios de cocaína até ao pescoço. Que chatice, o control anti-doping.

segunda-feira, abril 7

Subprime: o pior já passou?

Temos o fim da crise ao virar da esquina? O gráfico do Nasdaq pode levar alguns a querer acreditar que sim. O novo livro de George Soros, The New Paradigm for Financial Markets: The Credit Crisis of 2008 and What It Means, apresenta-nos um cenário um pouco diferente. Ver também o seu artigo no Financial Times.
Ao que parecem existem várias bombas semelhantes ao Subprime Lending prontas a rebentar a qualquer momento. Duas delas são os Credit Default Swaps e os Rising Foreclosures.
Os SL são revendas de hipotecas feitas a pessoas cuja capacidade de as pagar não é propriamente solida. Os CDS são revendas de créditos de todos os tipos. Estas revendas são feitas várias vezes. Um inocente investidor português que comprou um produto supostamente de risco muito baixo pode na prática estar a comprar também CDS's. O valor dos CDS em circulação equivale a metade do valor do mercado imobiliário dos EUA. Se este mercado rebenta, a bolsa vai por aí a baixo e muitos bancos irão à falência. O problema vai ser essencialmente nos EUA, mas algo sobrará para nós. Não tive pachorra para perceber o que são os RF. Se alguém se quiser dar a esse trabalho, explique-me. Estes derivados do crédito foram feitos para não serem percebidos. Devem ser suficientemente obscuros para poderem ser vendidos aos orfãos e às viuvas como algo tão seguro como um fundo de obrigações. O único ponto positivo destes produtos é darem tranbalho aos alunos dos mestrados de Matemática Financeira.
GS acha que o risco de rebentamento dos CDS teve algo a ver com a ajuda do Fed ao Bear Stearns, que de outra forma teria falido, iniciando a queda de um castelo de cartas. Entretanto os reguladores continuam a pretender que acreditam na tese da capacidade auto-reguladora dos mercados, limitando-se a reagir aos acontecimentos. O próximo presidente dos EUA que apague depois os fogos.

Um comentário final sobre o livro do Soros. Só se encontra à venda numa versão pdf que não pode ser copiada nem impressa. A versão hardcover só vai sair daqui por uns tempos. É claro que neste caso ele tem a faca e o queijo na mão. Não podemos é deixar que a moda pegue.

sábado, abril 5

Ensino-Aprendizagem

Quando ensino uma cadeira de matemática começo por explicar aquilo que vou ensinar durante o semestre. Algumas vezes pergunto aos alunos para que é que lhes parece que vão servir esses ensinamentos. Após o silêncio habitual explico-lhes que para a maior parte deles aquilo que lhes vou ensinar não lhes vai servir para grande coisa, talvez para coisa nenhuma. Noto então dois ou três sorrisos na audiência do tipo pois, eu até já suspeitava disso.
Tal acontece em grande parte dos cursos universitários. Muitos engenheiros dedicam-se à gestão, muitos advogados ao jornalismo. Acabam por esquecer a maior parte das coisas que lhes ensinaram. Um engenheiro civil acaba por usar meia dúzia de tabelas, podendo dispensar boa parte das teorias com que lhe encheram a cabeça durante todos aqueles anos da sua vida. A maior parte dos licenciados só usa alguma vez na vida um terço daquilo que lhes foi ensinado. Falta então explicar porque é que as pessoas continuam a frequentar uma universidade. Porque é que as empresas preferem contratar pessoas a quem foram ensinadas todas essas coisas inúteis. O que é que os meus alunos têm a ganhar em frequentar a minha cadeira.
Vale a pena eles virem assistir às minha aulas porque podem aprender lá muita coisa extremamente importante. Podem aprender a identificar um problema, a formulá-lo, a estimar a sua dificuldade, a parti-lo em problemas mais faceis de resolver, a comunicar a sua solução. Podem aprender também a saber o que sabem e o que não sabem fazer, a extrair da informação que vos é comunicada por outrem aquilo que é ou não relevante, a ajudá-lo a formular melhor um problema e muitas outras coisas que só um número assustadoramente pequeno de pessoas sabe fazer.
Podem aprender essas competências nas minhas aulas porque eu aprendi a fazer essas coisas e sei criar condições para que os alunos as possam aprender. Não sei é ensiná-las. Ninguém sabe.
Ninguém sabe ensinar outra pessoa a ser criativo, embora muita gente ganhe bom dinheiro a pretender que o ensina. Acontece que há pessoas que sabem criar condições que facilitam aos outros desenvolver a sua criatividade num campo específico quando ensinam esse campo específico. É possível que algumas dessas pessoas aprendam mais tarde a ser mais criativas noutros campos que conheçam razoavelmente bem. Mais nada.
Como é que isso se faz? Tem tudo a ver com a maneira como se ensina aquilo que se ensina. A forma é mais importante do que o conteúdo. Mas a forma não existe independentemente do conteudo. Se a cadeira funciona com minitestes e os professores carregam com os meninos ao colo, conseguem maximizar a relação entre aquilo que se ensina e os esforço feito pelos alunos. Conseguem ser bons ensinadores. Mas os alunos perdem uma oportunidade de aprender alguma coisa. E é só isso que importa.
É vulgar um professor sobravaliar a importância de um determinado assunto. Normalmente um assunto que gosta de ensinar e um assunto que lhe permitiu aprender muitas outras coisas enquanto lho ensinavam. Se esse assunto não for incluido no curriculum, acha que a qualidade do curso está ferida de morte. O Eduquês conclui do facto de a forma ser mais importante que o conteúdo que se pode descartar o conteúdo e que não é necessário ser especialmente conhecedor do assunto que se está a ensinar.
A cair nalgum dos erros, prefiro cair no primeiro. Mas o melhor é evitar os dois.

sexta-feira, abril 4

Educar o Jaime

Uma boa parte dos posts deste blogue tinham algo a ver com evangelizar ou provocar. Provocar foi-se tornando cada vez mais difícil. A epiderme dos blogonautas mais susceptiveis mudou para que tudo o resto pudesse ficar na mesma. As minhas tentativas de evangelização também não têm tido grande êxito.
Analisemos por exemplo a tentativa de educar o Jaime. Os leitores deste blogue que se dedicaram a esta nobre tarefa demonstraram um admiravel poder de argumentação e as mais louvaveis intenções. É claro que o Jaime poderia ter tido uma atitude um pouco mais aberta. Seria mais compatível com o seu interesse pelo assunto, que o levou a voltar ao tema regularmente no seu blog. Acontece que os educadores do Jaime são suficientemente sofisticados para terem obrigação de saber que daí nunca poderia advir algo mais do que coisa nenhuma. Já agora, terá o autor destas linhas tido um comportamento a roçar o cobarde, lançando a cruzada e não participando depois na luta?
Boas razões para esquecer o affaire Jaime e guardar a evangelização na gaveta.
É provavel que esteja a acontecer exactamente o contrário.

quinta-feira, abril 3

O Monstro

O jovem Adso foi encarregado pelo seu abade de acabar com a teimosia dos camponeses. Recusam-se a ceifar o trigo por causa dos monstros verdes que nasceram na planície. Bem tentou o piedoso Adso lembrar-lhes as escrituras, ensinar-lhes que o diabo sempre veste de vermelho, convencê-los de que nada havia que temer. Dois dias depois o abade envia o despenseiro, homem prático mais habilitado para falar com gente simples. O despenseiro caminha para um dos monstros armado com a sua enorme faca de cozinha. Corta-lhe o pescoço de um só golpe. Dirige-se em seguida à aldeia com o monstro esquartejado debaixo do braço, enquanto lhe come as entranhas vermelhas e lhe cospe os dentes. Compreendem agora que não há nada a temer? Os aldeões fogem aterrorizados daquele novo monstro manchado de sangue, até que uma pedrada na cabeça o derruba. Minutos depois pouco resta do homem que comeu o monstro e como tal só podia ser também um monstro, esquartejado em tantos pedaços quanto as fatias em que tinha dividido a melancia.
Perante a confusão do Abade, Adso atreve-se a sugerir-lhe que chame o seu antigo mestre, um frade franciscano bem conhecido pela sua codícia. Frei Guilherme pede a hospitalidade do chefe da aldeia. Também ele partilha do temor pelos monstros. Roga a todos os camponeses que o acompanhem numa prece ao Senhor para que os alivie daquele tormento. Todos os dias repetia a oração e cada dia a faziam um pouco mais próximo dos monstros. Criou assim as condições para que os pobres aldeões aprendessem por eles próprios aquilo que ninguém lhes podia ensinar. Ensinou-os depois a semear melancias, cuja frescura lhes passou a mitigar a sede durante a ceifa.