domingo, abril 13

A mulher de Bath


Uma MULHER de BATH havia em cena;
Mas era meio surda, o que era pena.
De bons tecidos era fabricante,
Chegando a superar Yprês e Gante.
Tirar-lhe alguém na igreja a precedência
No beijo da relíquia era imprudência,
Porque ela abandonava as boas maneiras
E perdia de vez as estribeiras.
Em sua vida digna e benfazeja
Cinco vezes casara-se na igreja —
Fora os casos de sua juventude
(Falar disso, porém seria rude).

A mulher de Bath é um dos Contos de Canterbury. Chaucer narra a história de vinte e nove peregrinos que saem de Londres rumo à cidade da Cantuária, a fim de visitar o túmulo de Tomás Beckett. Para que os peregrinos se distraiam e tornem a viagem mais amena, o Taberneiro sugere que cada um dos peregrinos conte duas histórias na ida e duas histórias na volta, e que a melhor história será por ele premiada com um lauto jantar. O conjunto dos peregrinos, que retrata num amplo painel da sociedade medieval, está composto por tipos variados, homens e mulheres de diferentes ofícios e originários dos diferentes extratos sociais. Participa deste grupo uma exuberante e alegre viúva. Alice conta a história de seus cinco maridos, das suas contendas com cada um deles e apresenta a sua receita infalível para um casamento feliz. As mulheres devem manter o comando da relação. Terminado o prólogo, conta-nos a sua história.

Era uma vez um jovem da corte do Rei Artur que caçava na floresta. Encontra uma donzela e num impulso violento arrebata-lhe a virgindade. O rei decide que o jovem deverá morrer decapitado. Dado o veredicto, a Rainha dá-lhe uma possiblididade de escapar com vida. Será poupado se for capaz de explicar a todos dentro de um ano e um dia o que é que as mulheres mais desejam.
O jovem não encontra nenhuma explicação satisfatória: para uns o que as mulheres mais desejam é casar, para outros, belas roupas e adornos, cortesia e adulação masculina, ou ainda o desejo de ser livres e fazer o que bem entenderem. O jovem desesperado, já no caminho de volta, teme pela sua vida.
Encontra na floresta uma velha que oferece a sua ajuda e sabedoria. Em troca ele deverá realizar-lhe um desejo. Sussurra-lhe a resposta em segredo e ele parte ao encontro da Rainha. Majestade, o que as mulheres mais ambicionam é mandar no marido, ou dominar o amante, impondo ao homem a sua sujeição. Vossa Majestade agora pode fazer comigo o que quiser: estou a seu dispor.
O jovem é absolvido pela Rainha. Neste momento a velha entra em cena e pede à rainha que seja feita justiça. Quer que o rapaz se case com ela. A Rainha e o rapaz concordam. O jovem chora sua desgraça e parte com a velha. E ela, no entanto, faz com que ele pense nos valores verdadeiros e na superficialidade das aparências. Pergunta-lhe o que ele prefere: que ela seja uma mulher feia e velha, mas submissa e fiel ou que ela seja jovem e atraente, mas que receba visitas em sua casa. O jovem resignado diz que confia na sabedoria da velha e que, certamente, ela poderá escolher o melhor para eles. Se ela pode escolher, ele concorda que é ela quem deve mandar? O jovem concorda. Então a velha beija-o e transforma-se numa jovem deslumbrante. Garante-lhe também que nunca usará da prerrogativa de lhe ser infiel.

35 comentários:

Sofia disse...

Adoro finais felizes... :)

António Araújo disse...

A historia foi escrita por um sacana sagaz que queria cativar uma mulher com a sua bajulação descarada. :) Como bonus tem o facto de que danifica as hipoteses de todos os machos rivais que o levem a sério.

O ponto fundamental é que a velha mentiu na ultima linha. A bela menina em que ela se tornou fornicava com todos os idiotas da aldeia menos com o seu doce lacaio, que lhe limpava a casa e lhe fazia a comida :)

"O que querem as mulheres?"

É uma pergunta que se responde com outra: "O que é que eu tenho a ver com isso?"

That is classified under "their problem". My problem is "what do I want?"

O doce clima de bajulação torpe que se iniciou com as fantasias de uns tantos trovadores medievais não é a unica relação possivel entre os sexos. A prova é a existencia de outros extremos em outras partes do mundo, também esses algo desagradaveis. Eu pessoalmente prefiro algo intermédio - uma relação sem mestres nem servos. Mas, se insistirem que alguem tem que ficar por cima, então muito bem, darling dearest, mas então insisto que seja eu. Isto só porque as mulheres dão-se mal em situações de poder. Não sabem usá-lo graciosamente. Corre-lhes no sangue uma crueldade primitiva que adquiriram algures no pantano primordial, é a crueldade economicista de quem tem poucos e preciosos óvulos and must make them count. Whatever. Eu, que desprezo o desespero desse torpe jogo genético, dou um mestre muito mais benevolente :)

E, ja agora, tendo que escolher, eu escolhia a bela jovem que recebe visitas. Eu nao sou ciumento, e certamente arranjaria o que fazer nessas tardes livres. :)

maria disse...

o aparente final feliz não me encanta nada.

A verdade é que as mulheres dão-se mal com o poder. Não as podemos culpar. Não foram preparadas para isso.

Outra coisa, é que qualquer sujeição é sempre má. Seja da parte dos homens das mulheres, ou sujeição de ambos a uma determinada situação.

Anónimo disse...

OMWO,

se eu aprendi alguma coisa com os posts anteriores, parece-me que o Chaucer nos quer dar uma oportunidade para aprender. Tu queres ensinar-nos algo.
Será que essa tua tentativa nos pode prejudicar a aprendizagem?

Terei eu aprendido alguma coisa nos últimos tempos?

Anónimo disse...

Hoje uma amiga minha ensinou-me uma coisa sobre as mulheres. Querem prolongar a discussão deste blog com este post: http://dottoratoamilano.blogs.sapo.pt/71495.html

Sofia disse...

OMWO: bla bla bla.... :)

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As mulheres só se dão mal com tudo quando não sabem ser mulheres. Ou, talvez, quando são demasiado mulheres e não são mais nada além disso.

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Não é por nada, mas não me parece que exista aqui alguém a querer aprender alguma coisa. Todos acham que sabem tudo.

Orlando disse...

Hugo,

nos comentários ao post

"Porque é que o amor não entra nessa "equação económica"?"

a MaDi (uma antiga comentadora habitual deste blog) disse...

Muita conversa vai para aqui.
É simples: bom ou mau, lavado ou sujo, nalgum momento um homem fez rir uma mulher e ela apaixonou-se por ele...

Nós às vezes andamos distraídos...

Maria disse...

MC,
a Sofia tem razão. É verdade que algumas mulheres lidam mal com o poder, mas não são todas. Nem tem nada que ser assim. Nos tempos que correm, uma mulher não se pode dar a esse luxo.
A educação religiosa contribui um bocado para isso. Mas não podemos esquecer que existem muitos machos alfa que quando chegam a casa sabem muito bem quem é que lá manda:)

maria disse...

olá, Laura.

Eu estou por tudo (salvo saja). O conto é interessante. Dá para reflectir e discutir. Só que fico sempre na minha: fazer generalizações é complicado. Uma mulher de quase 50 como eu e com a educação e vivências que tive não vê isto da mesma forma que uma de 30.

No fundo acho que todos lidamos mal com o poder. Já agora, para que serve?

Maria disse...

50 anos...
Tadinha...
Não me parece que te aches uma velhota...

Para que serve o poder?
Para ter mais algum dinheiro, que não compra o amor nem a felicidade mas proporciona alguma independencia e segurança.
Saber lidar com as relações de poder ajuda-nos a lidar com as outras pessoas. Mesmo com as que amamos e nos amam.
Era bom que as nossas relações com aqueles que amamos não tivessem nada a ver com o poder, não era?
Mas o mundo não é perfeito.

A Alice de Bath já o sabia...

António Araújo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
António Araújo disse...

Ter poder serve, entre outras coisas, para que não o exerçam indevidamente sobre nós.

Eu costumava pensar que estava acima dos patéticos jogos humanos. Costumavam repugnar-me. Tentava ficar do lado de fora, e apesar disso (na verdade por causa disso) eles acabavam sempre por "encontrar-me", e atingiam-me ainda mais do que àqueles que me rodeavam e que pareciam abraçar mais naturalmente "a ordem natural das coisas". Eu costumava achar isso estranho. Agora percebo que mesmo que estejamos deles conscientes, e mesmo que nos repugnem e nos pareçam despreziveis...mais vale saber jogá-los. Às vezes a unica forma de ficar fora deles é jogá-los muito bem. É uma lição estranha que, no final de um longo percurso, por vezes acabamos por descobrir que o melhor mesmo é fazer as mesmas coisas que as outras pessoas...e jogar os mesmos jogos...mas melhor, e, acima de tudo, por motivos diferentes.

Eh, eu não digo que gosto disto, mas ninguem disse que eu tinha que gostar...

Quanto a ti, Hugo:
Eu ja ouvi as tuas piadas, e, acredita-me, se alguem se ri delas é mesmo porque te quer levar para a cama :D

Estou a brincar (not!!! ;D). Um abraço.

Anónimo disse...

OMWO: ainda bem que estás a brincar, porque me lembro perfeitamente de te ter ouvido a rir uma vez ou outra. :P

Anónimo disse...

er...sabes...se calhar não me estava a rir *contigo*... :D

Mas...só para jogar pelo seguro, não me vires as costas :D

omwo

Sofia disse...

"Ter poder serve, entre outras coisas, para que não o exerçam indevidamente sobre nós."

Muito bem, OMWO.

Eu acrescentaria apenas um "essencialmente" após "serve" e um "ou sem o nosso consentimento consciente, ainda que dissimulado" antes de "sobre nós".

De resto, está lá tudo.

Anónimo disse...

Por acaso, conhecia uma versão ligeiramnete diferente da história. Nessa versão, o que a velha dizia era que as mulheres querem a soberania (uma coisa mais vasta do que o estafado comando de uma relação que não serve a felicidade de ninguém) e o cavaleiro não maldiz a sua sorte quando tem de desposar a velha bruxa. É fiel à palavra dada, casa com ela sem se amedrontar com as suas maneiras repugantes e enquanto toda a gente o lamenta, ele mantém a calma. Quando ela lhe pergunta se ele a quer bela de dia ou de noite ele não hesita e responde que se comprometeu com ela para sempre e que qualquer das hipóteses lhe é agradável. É só aí - porque ele lhe deu a soberania - que o feitiço é desfeito. De facto, é ele que a liberta.

Orlando disse...

Sara,
benvinda!

Essa versão é a politicamente correcta. Será a original?

A versão que eu conheço, dá motivos para reflexão. Esta versão politicamente correcta, não me parece tão rica.

Anónimo disse...

:) Claro que não deve ser a original. Digamos que é uma versão melhorada do original. Porque que é que o cavaleiro se há-de desesperar e chorar como um tonto se tem motivos para se alegrar? Ele deve a vida à bruxa, está-lhe grato e vai honrar o seu compromisso. Dá-lhe a soberania porque a tem para dar. E de facto ela quer a soberania. Mas o que é a soberania? O melhor desta história é o homem. Mas onde é que há um homem assim?

Anónimo disse...

Anónimo sou eu, Sara.

Anónimo disse...

Fiquei curiosa e andei por aí a espreitar um bocado. Esta é a história de Lady Ragnell e parece que a minha versão é a que se vem contando desde sempre. As mulheres querem a soberania e não dominar ninguém. E o cavaleiro não se enervou jamais, nem se arrastou chorando. Tranquilamente, honrou os seus compromissos.

Orlando disse...

A Mulher de Bath e o casamento de Sir Gawain e Lady Ragnelle são duas versões da mesma historia medieval. Mas a versão da Mulher de Bath parece ser mais antiga.

Ver

http://en.wikipedia.org/wiki/The_Wedding_of_Sir_Gawain_and_Dame_Ragnelle

Anónimo disse...

Hum! Cheira-me a esturro! Parece-me que estou a ser contrariada. Onde está Sir Gawain?

Sofia disse...

:)
Olá, Sara.


Soberania, poder e dominância são inseparáveis. Para não dizer uma e a mesma coisa.

Quanto ao facto de ele se lamentar, apenas confere uma maior veracidade à história. Ninguém aceita uma situação menos... vantajosa com um sorriso na cara. Mas o facto, e o que interessa para todos os efeitos, é que ele honrou o compromisso.

Em qualquer uma das versões, parece-me evidente que é ele o herói da história. Porque ao aceitar a ajuda conselheira da velha, reconheceu-lhe de imediato a supremacia.

A moral da história, não é outra senão esta:

As mulheres são a ruína e a salvação dos homens.
Depende sempre de terem a sorte de, uma vez arruinados, existir uma mulher que lhes dê a oportunidade para a redenção. :)

Orlando disse...

Entretanto passei a ver as duas versões de uma forma um pouco diferente.

A versão Bath é a preferida dos homens. O Casamento é a preferida das mulheres. Cada sexo tem mais a aprender com a versão que não lhe agrada. Não entendia muito bem qual era a "moral da história" no caso d'O casamento". Agora compreendo um pouco melhor. Não vou tentar explicá-lo por palavras. Talvez com outras histórias...

Sara, obrigado por chamares a atenção para a outras versão.

Anónimo disse...

Olha, On, o que dizes é estranho. Poque é que os homens hão-de preferir a mulher de Bath, uma história que diz: "vejam bem o que as mulheres querem! Mandar nos homens!" Só se for para lhes servir de lição e manterem-se em guarda contra as mulheres.
Acho normal as mulheres preferirem o Casamento, é sinal de que a versão de Bath não lhes diz nada. Não nos identificamos com ela.Qual é o interesse de mandar num homem?
Sofia:
Olá! :)
Tenho um opinião diferente da tua. Eu penso que o que faz dele um homem é honrar o compromisso sem se lamentar nem hesitar. Diz a história: "não mostrando nunca o seu desagrado, delicado e atento com a bruxa repelente como se de uma bela e delicada mulher se tratasse."
Não é verosímel? Mas isto é uma história, ele é um herói e um modelo a seguir. Se não se assustam com dragões e com poções porque haveriam de sucumbir perante uma mulher feia?

Sofia disse...

"Eu penso que o que faz dele um homem é honrar o compromisso sem se lamentar nem hesitar."

Eu também, Sara. :)
Mas apesar de acreditar em histórias, já não acredito em contos de fadas. :)

Anónimo disse...

O que voçês querem todas sei eu!

(desculpem mas todos estavamos a pensar nesta)

Don Joe

Sofia disse...

:)

Queremos mandar em vocês.
Eu quero, pelo menos. Assumo.

Orlando disse...

"ele é um herói e um modelo a seguir"

"Qual é o interesse de mandar num homem? "

Sara,
que nos deixes ao menos escolher os nossos herois, já que não queres mandar em nós:)

Anónimo disse...

"ele é um herói e um modelo a seguir".

Mas On, eu posso falar não posso? E posso escolher também. Eu, que não tenho interesse em mandar em homem algum, escolheria um herói como Sir Gawain e não alguém que cumpre os deveres à força só porque não tem para onde fugir.
A frase "um modelo a seguir" é que foi mal empregue. Escolham, por favor, os vossos heróis. Será pedir muito dizer para escolherem bem?:)

Orlando disse...

:)

Anónimo disse...

Tem mulheres que querem mandar sim mais não são todas afinal o que esse conto quer nos falar ? Porque aquela rainha fez essa pergunta a este rapaz ? Ele não foi injusto mentindo para a velhinha ?! Afinal quem quer dominar os homens que querem escolher as garotas e muitas vezes mentem para outras ou as mulheres ? abraço !

Sérgio Quelhas disse...

Pobre é o ambicioso insatisfeito que cobiça o que está fora de seu alcance; rico é quem não tem nada e nada deseja .

Anónimo disse...

Os Homens aqui me parecem medievais...

Observemos que Chaucer escreveu o livro no século XIV. As mulheres naquela época, precisavam de mais autonomia, ansiavam por poder, queriam autoridade....Elas não precisam mais disso há muito tempo queridos.

Kisses

Luc

Orlando disse...

As grandes obras primas são intemporais. Se precisam ou não (se acham que precisam ou não) só saberemos se lhes perguntarmos.
Eu já perguntei, e parece que muitas acham que precisam...