segunda-feira, abril 13

A Crítica da Razão Pura

Ao longo das nossas vidas vamos desenvolvendo uma "filosofia espontânea". Muitas das ideias que julgamos serem nossas são pedaços de teorias desenvolvidas uns séculos atrás por algum filosofo de quem eventualmente nunca ouvimos falar. Por exemplo: a visão de muitos de nós sobre a forma como interagimos com o mundo remonta aos pontos de vista introduzidos por Descartes na primeira metade do século XVII ou por David Hume na primeira metade do século XVIII.
Descartes criou o dualismo alma corpo. Penso, logo existo significa que somos primeiro que tudo seres pensantes. Deus não nos enganaria, portanto as nossas percepções são realmente a indicação da existência do mundo exterior. Os seus sucessores usaram Deus e a alma para resolver de forma simplista todos os problemas epistemológicos que se lhes apresentaram.
Um réptil ao nascer está quase preparado para a vida. Uma série de instintos determinam a sua vida e estão prontos a utilizar mal ele sai do ovo. Nos mamíferos a aprendizagem desempenha um papel crescente. Um bebé ao nascer parece quase completamente por formar. É uma esponja que vai absorver os estímulos do meio, os quais terão uma importância decisiva na sua formação. Dá a impressão de que não existe qualquer tipo de estruturação na sua mente.
Hume acredita na plasticidade infinita da mente humana, tal como a maioria dos psicólogos actuais. Para Hume as ideias que orientam a nossa vida são o resultado da acumulação dos estímulos exteriores. Há uma variação quase infinita e inclassificável de padrões no comportamento humano, por oposição à estreiteza das variações que encontramos no comportamento animal, pré-determinado pelos instintos. A vitória do cepticismo de Hume consistiu em mostrar as limitações do pensamento pós-cartesiano. Por outro lado Hume nunca consegui explicar a noção de causalidade ou a possibilidade do raciocínio lógico.
Quando aos 46 anos Kant apresentou a sua dissertação inaugural enquanto professor em Konigsberg, Kant recebeu uma carta do seu aluno Markus Herz. Herz lembrou a Kant que ele se tinha esquecido de explicar como é que o ser humano recebia a informação do mundo exterior e a processava. Durante onze anos Kant meditou nesta questão. Herz e Hume acordaram-no do seu sonho dogmático. A obra prima de Kant é o produto desses onze anos de meditação. É tão complexa que dois séculos não foram suficientes para que as suas ideias percorressem o caminho que as separam do senso comum. Sendo a mais importante obra da história da filosofia, penso que vale a pena tentar transmitir aqui uma parte do seu sabor.
Noam Chomksy foi o mais importante linguista do século XX. A influencia decisiva da sua obra abrange áreas tão diversas como a Psicologia e a Teoria da Computação. A gramática generativa de Chomsky descreve todas as línguas existentes. Cada língua conhecida pode ser obtida a partir duma língua base fixando certos parâmetros. A teoria de Chomsky pressupõe a existência a priori de uma linguagem universal que nós nascemos programados para falar, descrita por ele. Esta é uma das teorias científicas que põe limites à infinita plasticidade da mente humana.
Suponham que vêem no ecrã do vosso computador duas bolas pretas em fundo branco. A bola que está do lado esquerdo desloca-se para a direita, quando as duas bolas se tocam a bola esquerda para e a bola direita move-se para a direita. O nosso cérebro será levado a crer que o movimento da segunda bola foi provocado pelo da primeira. Porquê? Simplificando radicalmente as coisas, Kant considera que o ser humano é uma "máquina programada" para pensar segunda certas regras de causalidade. As noções de causalidade, espaço e tempo, entre outras, estão "programadas" na nossa mente independente de qualquer realidade exterior. São os instrumentos que usamos para lidar com o mundo.
Kant consegue assim fundamentar a ciência sem cair nas ingenuidades de Descartes e mantendo vivo o cepticismo de Hume.
Freud e Jung introduziram definitivamente o conceito de inconsciente nas nossas vidas. O inconsciente é mais uma limitação à infinita plasticidade da mente humana. Em especial o inconsciente Jungiano. É por isso que descrever certos aspectos do comportamento humano através de uma combinatória finita talvez não seja assim tão imbecil.
Há ainda um problema com todas estas teorias. Não se conseguiu ainda fundamentar em termos genéticos a teoria de Chomsky ou a filosofia de Kant. A Teoria da Evolução também terá aqui uma palavra a dizer. A seu tempo lá chegaremos.

6 comentários:

Orlando disse...

Quando um teólogo do século XIX iniciava uma disputa com um colega, nada como um par de citações de Kant para o intimidar.
Parece que a táctica ainda funciona...
Não caiam nessa!

Sofia disse...

:)))

MaDi disse...

Só para dizer qualquer coisa, porque de facto não sei o que dizer deste post, tenho em casa um livro do Noam Chomsky que li as 3 primeiras páginas e não continuei porque achei que não era literatura para quando se quer distrair... (Ah, também posso usar reticências!)

Orlando disse...

MaDi,
o livro é de política ou de linguistica? Já agora, qual é o título? Deixa lá que eu também não li os meus até ao fim...

on disse...

Aliás, nem sequer se pode dizer que tenha lido a Crítica da Razão Pura...

MaDi disse...

É política. Sobre os Estados Unidos. "Hegemony or Survival: America's Quest for Global Dominance"

Até me interessa. Mas passo tempo demais a ler coisas complicadas durante o dia, para continuar a fazê-lo durante os momentos de descanso.