sexta-feira, março 15

Contos de Fadas

Todos nós assistimos ao aparecimento dos telemóveis. Agora a nossa vida é muito mais cómoda. Por outro lado tornou-se mais difícil estarmos sós. Ter uma tarde para executar uma tarefa mais profunda, sem interrupções. Estamos mais longe de nós próprios.
O miúdos não entendem muito bem do que estamos a falar. Não conheceram uma sociedade sem telemóveis. Era bom haver uma maneira de lhes explicar estas mudanças. Os ganhos e as perdas. Não ter telemóvel não é grande solução. Ter consciência das mudanças que estes instrumentos provocam nas nossas vidas e tentar minimizar os seus inconvenientes, talvez valha a pena.
Só tive televisão em casa a partir dos sete anos. Tenho uma vaga ideia dos tempos antes da caixa que mudou o mundo. A vida era por vezes mais enfadonha mas havia mais tempo para ler um livro, falar com os outros, estar a sós com a nossa pessoa. A telefonia não se apoderava de nós com tanta facilidade. Acontece ir a casa de alguém e a televisão estar sempre ligada, mesmo sem ninguém a estar a ver. Serve para evitar o silêncio e espantar algum pensamento ligeiramente perturbador.
A nossa sociedade muda continuamente fruto de mudanças tecnológicas e sociológicas. A um ritmo cada vez mais vertiginoso. A nossa vida é agora mais cómoda e segura, pelo menos enquanto não acabarmos de destruir o planeta.
A historia da donzela sem braços foi criada por alguém que presenciou o primeiro moleiro a ter um moinho de vento e as mudanças que esse moinho provocou na sua vida e na vida dos que o rodeavam. Exprimiu-se da única forma ao seu alcance, uma forma simbólica. Podemos aprender alguma coisa com ela. O senhores Fernando Ulrich e António Borges passaram a maior parte da vida a olhar o mundo como um objecto que tinham de manipular. Acabaram por deixar a parte mais terna do seu ego perder as mãos. A parte que dá valor às coisas, a todas as pequenas e grandes coisas. O autor da historia viu acontecer algo de semelhante ao moleiro. A outra escala. Estes senhores não são capazes de saborear aquilo que ganharam bem ou mal.
Só conseguem sentir-se bem a ganhar mais dinheiro ou a tirar o dinheiro aos outros. Quando conseguem que os outros se sintam miseráveis, conseguem sentir-se um pouco menos miseráveis eles próprios. Pelo menos melhor durante algum tempo.
A Donzela que perdeu as mãos pode ser interpretada de várias formas: fala sobre as mudanças que ocorreram numa sociedade, sobre as mudanças que ocorreram numa mulher, sobre as mudanças que ocorreram na parte feminina de um homem. Podemos aprender algo com ela se a relacionarmos de alguma forma com a nossa vida.

quarta-feira, fevereiro 27

Historia de embalar

O senhor Joaquim todos os dias moía a farinha, com a ajuda de um burro manco. Naquela tarde rodava a mó sozinho. O velho jumento só fazia companhia. Recebeu uma visita do diabo. Joaquim, queres uma mãozinha para moer a farinha? só quero em troca alguma coisa do teu quintal. No quintal só havia a figueira seca, usada para estender a roupa. Não disse que não. O diabo construiu um moinho e prometeu voltar no dia seguinte.
Que me dizes, Joaquim, agora a tua vida vai de vento em popa? O Joaquim nem respondeu, só fazia contas ao que podia comprar com as seis sacas de farinha que ia vender todas as semanas.
Ao terceiro dia o diabo voltou para acertar o preço. O Joaquim ouviu um grito e correu ao quintal. A filha que estendia a roupa chorava as suas mãos desaparecidas. Joaquim corre de volta para o diabo. Olha  uma vez mais o moinho e hesita. O diabo desaparece numa nuvem de fumo.

A jovem donzela não se queixa. Agora que a família é rica outras mãos estendem a roupa por ela. Afinal para que é que ela precisa delas? Cada vez é mais difícil esconder a infelicidade. Na falta de melhor solução, foge de casa, embrenhando-se na floresta. Depois de vaguear todo o dia acaba por encontrar um jardim. A um canto do jardim encontra-se uma pereira. Todas as noites como uma pêra, que a vai mantendo viva. Acaba por ser apanhada pelo jardineiro, que a leva à presença do rei. O rei, maravilhado pela sua beleza, apaixona-se por ela.
Agora que é uma rainha e vive num palácio, ainda menos precisa das mãos. Mas no essencial, nada mudou. O rei consciente da sua tristeza, ordena ao mágico que lhe construa umas mãos de prata.

As mãos de prata são muito belas. Algumas damas da corte trocariam sem hesitar as suas mãos por aqueles apêndices que não servem para nada, mas dão status. O nascimento da filha só veio piorar as coisas. Como vai uma mãe dar carinho à filha com aquelas mãos frias? Desesperada, rodeada de pessoas que lhe invejam a sorte, a donzela volta a fugir para a floresta, levando a filha nos braços. Ao atravessar um ribeiro a filha cai à água. A donzela grita pelas criadas. Na floresta não há criadas... Lança-se à água e tenta agarrar a filha, prestes a afundar-se. As suas mãos, que sempre lá estiveram, agarram-na no último momento.

quinta-feira, fevereiro 21

Famílias e como (sobre) viver com elas

John Cleese é conhecido sobre tudo por ter sido um dos membros mais importantes dos Monty Python. Mais recentemente foi o "Q"  em dois James Bonds. Nos intervalos da sua carreira artística foi reitor da Universidade de St. Andrews, com assinalável sucesso. Quando passava por um período de maior tensão e os seus problemas respiratórios resistiam ao tratamento médico, recomendaram-lhe terapia de grupo com Robyn Skinner. Segundo ele foi uma das experiências mais divertidas e estimulantes da sua vida. Pelo menos a maior parte do tempo. Alguns anos depois matou as saudades escrevendo dois livros a duas mãos com o seu antigo terapeuta.
Famílias e como (sobre) viver com elas encara uma família como um sistema em que cada um dos participantes faz o que pode para ajudar a família a sobreviver. Até pode "aceitar" fazer o papel de ovelha ranhosa, mais que não seja para que os outros membros da família esqueçam as suas desavenças, unindo-se contra eles. Dois dos temas fundamentais são discutir as razões que nos levam a escolher alguém para viver connosco (escolhemos sempre alguém com uma estructura familiar algo semelhante à nossa, acreditem que é verdade...)  e a influência que a forma como fomos criados tem na nossa vida futura, levando-nos a reproduzir de alguma forma os padrões da geração anterior.
O livro é fácil de ler. É mesmo bastante divertido. No fim até parece tudo senso comum do mais básico. O mais dificil é perceber em qual dos retratos é que encaixamos e tirar daí as consequências. Ainda não cheguei lá...

domingo, janeiro 27

Dietas

Afinal o que é que se pode comer numa dieta? A dieta X proíbe o alimento Z, que se pode comer à vontade na dieta Y. Quem tem razão? Algumas (muitas) dietas não funcionam mesmo. Mas há muitas que funcionam, apesar se defenderem opções que contradizem totalmente outra dietas. Como colocar alguma ordem neste caos?
Se duas dietas funcionam, porque não tomar algumas ideias de uma e de outra e ver o que dá? Pensar assim significa tomar o ponto de vista ecléctico  Não é boa ideia.  Uma dieta tem uma logica interna e não convém brincar com ela.
Se eu fosse um nutricionista, advogava o ponto de vista pluralista. Propunha aos meus clientes que seguissem a dieta que eu acreditava ser a melhor. Se não funcionasse ou eu achasse por experiências anteriores que naquele tipo de pessoa a minha dieta não funcionava lá muito bem, propunha um dieta da concorrência, seguindo fielmente o espírito dessa outra dieta.
As nossas crenças são mapas da realidade que não abarcam toda a realidade. Não quer isso dizer que não se acredite sinceramente naquilo em que acreditamos.
Podemos saltar das dietas para a psicoterapia. Um analista Freudiano que conheça outras técnicas pode experimentar um método alternativo, ou propor ao analisando que experimente outro tipo de terapia, o que vai dar ao mesmo.
Na política quem tem razão? Os conservadores ou a esquerda? (Muitos países, entre eles Portugal e os EUA, permitiram que uma classe corrupta dominasse o aparelho de estado. Criam um jogo de sombras em que supostamente a esquerda e a direita vão alternando. Vamos ignorar esses detalhes...)
Se uns estivessem certos e os outros errados, um dos lados já teria eliminado o outro. Por uma lado nunca votei à esquerda do PS, embora não exclua essa hipótese. Estou claramente de um dos lados. Em certas situações, aceito que a visão global do outro lado funciona melhor.
Deus existe? Eu sou ateu. No entanto, quando se trata de certas questões descubro em mim uma grande religiosidade. E não aceito uns detalhes de uma certa atitude religiosa. Aceito uma lógica diferente.
Não divido a verdade ao meio, como Salomão ameaçou fazer. Matávamos a criança. A maior parte das semanas a criança fica melhor com a mãe. Outras, nem por isso.

sábado, dezembro 24

Que mais nos podem roubar?








Things fall apart;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.


W. B. Yeats escreveu estas linhas na sequência do fim da primeira guerra mundial. Encontro algum consolo na sua leitura. No mínimo lembram-nos que as coisas já estiveram tão mal ou pior que agora e depois melhoraram.

Que mais nos podem roubar?
A lucidez de resistir ao primeiro quick fix que algum aprendiz de feiticeiro nos quiser vender.
A satisfação de fazer o nosso trabalho bem feito.
A certeza de que somos em ultima instância os responsáveis pelo nossa vida.
Não deixem.

Nada mudará sem luta, mas lutar só vai produzir resultados quando alguma direcção se tornar clara ao olhos de um grupo suficientemente grande de pessoas. Se ainda têm um emprego e razoaveis perspectivas de o manter, não delapidem demasiadas energias sem uma bússola que vos oriente.
O melhor Natal possível para cada um de nós.

segunda-feira, outubro 10

O voto secreto garante a democracia?

Repetia ontem um convidado de um dos muitos programas sobre as eleições na Madeira: lá toda a gente tem vários familiares que dependem de uma forma do governo regional, logo o voto não é livre. Pergunta a locutora: mas o voto não é secreto? O convidado não responde.
No entanto a resposta não é assim tão complicada, apenas demasiado subtil para passar na televisão.
Quanto pesa um segredo? Quanto pesa votar A e dizer que se votou B perante toda a gente? Durante quatro anos, ou durante quarenta anos? Muito mais do que parece. Esse peso é maior para umas pessoas do que para outras. Nunca é negligenciavel e para a maior parte das pessoas é insuportavel.
Já agora quanto pesa admitir perante si próprio que até queriamos votar A e votámos B pelas razões referidas acima? Demasiado. Viver essa contradição a longo prazo é mais do que incómodo.
Que mais nos resta do que admitir que o Alberto João até tem graça?
Jardim recriou na Madeira as condições que garantiram a Salazar e Marcelo vitórias em muitas das eleições do nosso ancien regime. Agora vamos pagar a factura.

sábado, julho 23

Protesto

Uma das coisas que me chateia mesmo nesta crise é ela sobrepor-se a quase tudo.
Entra-nos pela cabeça dentro e é difícil evitá-la. Estejamos nós a tentar minorar os seus efeitos, a tentar exorcizá-la, ou simplesmente ignorá-la, rouba-nos o espaço para outras coisas bem mais fundamentais.
Chegou a hora de a deixar a falar sózinha.

sexta-feira, junho 24

A luta de classes


Um pequeno grupo social controla os meios de produção e explora “os outros”.

Marx fala em controlar ou deter a propriedade? Nem fui verificar. Se no passado controlar e deter eram equivalentes, deixaram de o ser. Os accionistas de uma empresa dificilmente dão ordens ao CEO. O management da empresa acaba por absorver uma parte dos lucros que é comparável, ou superior à que acaba por chegar aos accionistas. Os nossos líderes políticos atribuem impunemente de um dia para o outro vários pontos percentuais do PIB aos credores do BPN. Afinal, toda a gente faz isso um pouco por todo o lado.

Finalmente, a coberto das antigas leis contra os exploradores, os pilotos da TAP arriscam a sobrevivência da companhia para sacar mais meia dúzia de privilégios e manter os antigos. Contra a opinião dos outros trabalhadores. Com o apoio dos muitos que ainda não perceberam que eles estão do outro lado da barricada. Será a atitude da Ryanair tão execravel assim?

terça-feira, junho 21

Um diálogo Pos-moderno: um interdito linguistico em abismo

Muito se tem falado do pos-modernismo agora que o Nuno Crato vai tomar conta do ministério da educação. Normalmente ele traduz a influencia pos-modernista na educação por "eduquês". Para quem nunca dialogou com um pos moderno, relembro aqui um dialogo que tive uma vez com um digno representante desta ideologia no falta de tempo.

Devo dizer que eu não considero que alguma corrente filosofica importante seja pura e simplesmente um erro. Teve as suas razões para aparecer e alguma contribuição dará. Derrida, Foucault e sobretudo Heidegger não são imbecis. Mas alguns dos seus seguidores são loucos perigosos á solta.

O interlocutor pos-moderno é o anónimo. Eu aqui rederencio-o por "PM".
Numa discussão desta acaba-se por dizer sempre umas parvoices. Eu também devo ter dito algumas...

PM A sua apreciação crítica releva com muita pertinência o desnorte da conceptualização dos programas e da sua aplicação nos curricula do ensino secundário. Todavia, não passa desapercebido o nihilismo e negativismo que subjazem ao seu discurso. In limine, ao recusar o horizonte de expectativas do chamado pós-modernismo, anula qualquer lugar que permite o exercício do pensamento, na medida em que a contemporaneidade não se compadece com o imobilismo e a obsessão por paradigmas caducos. Por outro lado, a intolerância excessiva face a determinadas práticas discursivas pode ter como corolário a criação de um vazio, como efeito de um interdito linguístico em abismo.

Lino Alguma razão terá. Talvez eu esteja obsecado por algum paradigma caduco. Mas os pontos de vista que critico constituem um paradigma que nem merece esta designação: vazio de conteúdo, reduz-se a fórmulas e frases feitas, procurando dar corpo aos desejos e intenções (aparentemente) boas dos que as utilizam.

ON gostei do "interdito linguistico em abismo". Já agora: o que é que isso quer dizer?
O resto podia ser dito emduas frases.
Só que assim fica fica claro até que ponto a quantidade de informação transmitida é diminuta.

PM Prezado On,
1. Não vou explicar-lhe o sentido da expressão aludida. Revela, pela sua questão, pertencer à classe de pessoas que, por mais que se expliquem as coisas, nunca chegam lá.
2. "O resto podia ser dito em duas frases." Sim, de facto foi dito em duas frases. Não sabe o que é uma frase? E já agora, não sabe contar?
3. "linguístico" é uma palavra acentuada por dois pressupostos gramaticais. Também quer que lhe explique, ou prefere consultar a gramática?

O Jorge Buescu acabou por citar este diálogo no Rerum Natura.
A coisa durou dias.

Entretanto cheguei à conclusão que as minhas opiniões da época sore o Heidegger eram um bocado ... idiotas.

sábado, junho 18

O Melhor, o Pior e o Logo se vê

O melhor do próximo governo:
O Nuno Crato, com uma tarefa ciclópica à frente. Boa Sorte.
O Alvaro Santos Pereira, ministro da Economia. Teve um percurso semelhante ao do Nuno Crato: escreveu e pensou durante anos a área para que foi convidado. Escreveu vários livros sobre o tema e previu à bastante tempo onde é que isto ia parar. Quem quiser saber o que ele pensa, só tem de ir ao blog dele e está lá tudo. É reconfortante saber que alguém que pense um assunto e vá dizendo umas coisas desagradaveis de forma consistente pode chegar a ministro. Pelo menos quando as coisas apertam. Não quer dizer que seja suficiente para ter uma chanche. Provavelmente é também indispensavel desenvolver uma grande grande rede de contactos.

O Pior:
Paulo Macedo, o ministro da Medis.

As caixas de chocolates, como diria o Forrest Gump:
A Leonor Beleza, (agora chama-se Paula Teixeira da Cruz?) merece toda a sorte no mundo na Justiça.
O Francisco José Viegas, um gajo porreiro e inteligente vai fazer na secretaria de estado da cultura o que o Rui Costa anda a fazer no Benfica? Alguém sabe o que é que o Rui Costa faz no Benfica, para além de ser o escudo invisivel do el Presidente?

segunda-feira, junho 6

O Pantano

Quem vai ser o próximo líder do PS? Seguro é um balão de ar quente que se esvaziará na primeira oportunidade. Sócrates reduziu Assis a um cão raivoso. Os dois únicos políticos de um partido de poder a quem eu daria o benefício da dúvida seriam Rui Rio e António Costa. Costa acha que o primeiro milho é para os pardais e guarda-se para mais tarde? Não me parece.
A demissão de Guterres ao perder as autarquicas foi o acontecimento mais importante desde a nossa entrada na CE. Um homem honesto, inteligente, com conhecimento do aparelho e capaz de passar uma rasteira ao parceiro e até gostar, Guterres já não controlava a canalha. Ou renegava todos os seus princípios ou então tinha de se ir embora.
A canalha são todos aqueles gajos da minha geração que foram colar cartazes e fazer claque para as juventudes partidárias. Nada os move para além da luta pelo tacho. Foram ganhando poder e começaram a tolerar um tipo decente como cabeça de cartaz, desde que lhes garantisse os tachos. Depois quiseram mais. Quiseram tudo. Costa nunca será lider do PS. Com um pouco de sorte, pode vir a ter a chance de concorrer a presidente. Caso contrário, paciência.
Nessa noite todos os interessados perceberam que as regras tinham mudado. Guterres falou no pantano mas não podia ser mais explícito. Queria uma cargo internacional longe da sargeta e só o seu silêncio o podia garantir.
Demasiada coisa terá de mudar para voltarmos a ter um tipo decente à frente de um partido do poder.

sábado, maio 28