domingo, março 29

O Peregrino

Podiamos também chamar-lhe o vagabundo, ou o viajante. Algumas vezes faz sentido falar de uma travessia do deserto.
Paul Gaugin abandonou o seu lucrativo trabalho de compra e venda de acções na bolsa de Copenhaga, resolvendo voltar para França e dedicar-se à pintura, abandonando a mulher e os filhos. Tal mudança não o satisfez completamente, só tendo encontrado a sua verdadeira identidade quando se instalou no Tahiti. Um acto de coragem ou de cobardia? Gaugin ganhou o seu lugar na história da pintura e a sociedade perdoou-o, a família talvez não. Gaugin abraçou para toda a vida a figura do viajante. Toda a gente parte numa viagem alguma vez na vida. É a única maneira de encontrar a nossa identidade ou restabelecer o equilíbrio perdido. Mesmo que seja apenas uma viagem interior. Mesmo que seja só discordar de um amigo quando era tão facil dizer que sim, mas isso punha em causa a nossa identidade.
Algumas vezes dizem-nos que vivemos no paraíso, a nós parece-nos mais uma prisão. Quando comeu a maçã, Eva iniciou a viagem da humanidade. Teria alguma graça ter ficado no Paraíso?

20 comentários:

Orlando disse...

Perante uma situação insustentavel, que fazer: ficar e lutar, ficar e sacrificar-se, ou partir? É a dúvida com que por vezes nos confrontamos quando se considera a possibilidade de um divórcio, uma mudança de emprego e muitas outras situações, mais ou menos importantes, das nossas vidas.

on disse...

Grumpyoldman (alias Setúbal),

Isto são opiniões disfarçadas com o rabo de fora? Continuas a achar o mesmo? E que opiniões são essas que eu desfarcei?

MaDi disse...

Tenho a sensação de já ter sido órfã (ainda sou), mártir (ainda um pouco) e peregrina (acho que sempre serei). Nunca fui inocente...E acho que me faz falta.
Obviamente que o crescimento necessita de todas essas fases, mas há pessoas que parecem não se dar conta disso e que só passam por uma ou duas. Conheço pessoas que foram inocentes toda a vida...

sara monteiro disse...

Olha a Madi! Conheço-a de outras vidas!...
On
É verdade:
Perante uma situação nsustentável, que fazer? Uma situação insustentável é também uma situação estonteante, um abismo. Tem o seu quê de prazer arrepiante.

Grumpyoldfart (alias grumpyoldman) disse...

"Raramente o Inocente se pode manter inocente por muito tempo. A queda do Paraíso não vai demorar..."
"The rat is in the trap, it is in the trap,
.................................
And cannot think
"This has no face, it must be God" or
"No answer is also an answer"
..................................
The rat understands suddenly. It bows and is still,
With a little beseeching of blood on its nose-end."


"O orfão... Um dia não vai ter alternativa. Terá de crescer."
"How happy is the little Stone
..............................
And independent as the Sun
Associates or glows alone,
Fulfilling absolute Decree
In casual simplicity-"

"Por outro lado ainda existem muitas pessoas, especialmente mulheres, que quando colocadas perante a opção entre o sacrifício e outra possível atitude, têm dificuldades em levar a sério a possibilidade de escolher a outra."
"She wore men´s boots
When she wore any.
..................
and getting, getting angry
with so many questions
unanswered."


"Toda a gente parte numa viagem alguma vez na vida. É a única maneira de encontrar a nossa identidade ou restabelecer o equilíbrio perdido."
"Because there is old filth everywhere
She used to crawl,in the corner and under the stair
I know now how life is cheap as dirt,
And still the hungry, angry heart
Hangs on and howls, biting at air."


E nós , os estúpidos, teimosos, serviçais, cobardes e falhados? Também temos um capítulo nesse céu dos peregrinos?

Hugo disse...

"Um acto de coragem ou de cobardia? "

O que é a coragem e a cobardia, se muitas vezes pensamos umas coisas e outro dias o contrário. No fundo o que é difícil é ouvir o que diz realmente a vozinha interior... se é que ela sabe o que dizer :)

on disse...

Olá Madi,
tens toda a razão:
sempre serás peregrina!
e muitos são inocentes grande parte da vida.
Mas olha: quando somos inocentes, muitas vezes não nos damos conta disso...

Orlando disse...

Hugo,
os anuncios dizem-nos para escutar uma vozinha interior, a que nos diz "compra, compra, compra".
Existe uma vozinha interior em que se possa confiar? Acho que sim. Podemos falar disso um dia destes. De momento, não vou fazer posts sobre o assunto.

Orlando disse...

Grumpyoldfart (alias grumpyoldman),
não percebi o qu querias dizer com os versos em inglês. A sério. É capaz de explicar isso de maneira mais simples?

Também "temos um capítulo nesse céu dos peregrinos?"

Achas que os peregrinos são melhores do que os outros? Não me parece. Cada um de nós tem a sua própria relação com cada uma destas histórias. Cada um vai gostar mais de umas e menos de outras. É dificil não mostrar alguma preferência por uma delas.
Talvez as minhas descrições não estejam a ser suficientemente neutras. Mas olha que a minha preferida ainda nem apareceu.

A peregrinação pode ser interior. Está ao alcance de todos. Assim queiramos arriscar.

MaDi disse...

Acho que o mundo precisa de mártires, órfãos, inocentes e peregrinos. É o conjunto destas visões diferentes que faz o mundo avançar em todos os sentidos.
O peregrino muitas vezes se esquece dos outros, o mártir esquece-se de si mesmo. A existência dos dois cria um equilíbrio.
Não há ninguém que seja melhor...

O que falta ainda? (Não me digas que é o preservativo...)

Wiseoldman (alias Grumpyoldfart) disse...

De facto o peregrino diz-me mais porque ao contrário das outras "histórias", esta tem duas palavras mágicas, "Paul Gaugin", que invocam uma história verdadeira. Mas deveria ter escrito: "Também temos um capítulo nesse céu dos peregrinos,inocentes, órfãos, mártires?"
A minha hostilidade a estas "histórias" de auto-ajuda é o seu simplismo e optimismo atroz. Atroz, porque cometem mutilações ao que é essencial numa história: o desafiar, pelo menos, por momentos, a nossa capacidade de interpretação. Os versos estão lá como pedaços de histórias que fogem às alternativas simplistas das "histórias".
"ser Inocente é também saber ter esperança e confiar", mas tal como a ratazana vamos todos rebentar (os católicos não, claro.); o inocente vai ter de crescer, mas, tal como a pedra, alguns de nós podem ser simples até ao fim (também sei ser optimista!); há mulheres que não tiveram alternativas e embora haja lugar para a cólera não há para soluções (nem marxistas); e embora exista quem se lance numa peregrinação, muitos de nós, olhando a vida como uma porcaria, continuamos, como o aspirador, a uivar e a morder o ar.
Resumindo e bem explicadinho: existem muito mais possibilidades, a maior parte das pessoas fracassa e as possibilidades redentoras duma história estão no facto de ser uma história: com detalhes cruciais e inesperados.

on disse...

Wiseoldman (???),

Não há aqui nenhum optimismo:

-- os inocentes vão ter de crescer, senão lixam-se.

-- muitos martires sacrificam-se para nada.

-- os orfãos, se permancerem orfãos, estão lixados.

-- o peregrino não tem garantia de encontrar no fim algo mais do que solidão.

Pretende-se apenas mostrar que, perante uma situação concreta, podemos agir segundo vários modelos, em vez daquele que usamos sempre. Passa-se a ter mais umas peças para construir as suas histórias. Passa-se a ter mais uma possibilidade de não fracassar. Tens alguma coisa contra isso?

MaDi disse...

Não estou de acordo com "os inocentes vão ter de crescer, senão lixam-se".
Podem não se lixar...

(Eu tenho uma grande admiração pelos inocentes...)

MaDi disse...

Não me expliquei bem.

"Ser Inocente é também saber ter esperança e confiar".

A grande vantagem disso é que mesmo que todas as desgraças aconteçam, continuas a ter esperança e confiar. Não precisas mudar. E podes com isso não te lixar nunca.

on disse...

Madi,
um herdeiro rico pode ser inocente toda a vida. Um filho pode muitas vezes ser inocente na sua relação com os pais toda a vida. Num casamento também por vezes podemos ser inocentes por longos períodos. Em condições normais, uma pessoa que se mantenha inocente por longos períodos em áreas da sua vida suficientemente importantes vai ter problemas.
Temos que a prender a viver todos estes arquetipos. Só vamos saber viver um na plenitude se já conhecermos todos os outros.

MaDi disse...

O que falta?

senileoldbastard ( que delirou ser wiseoldman) disse...

Comparativamente é optimista; por exemplo, eu digo que a maior parte de nós se lixa seja como for e que no fim nos lixamos todos. Estou com dificuldades em escrever o meu livro de auto-ajuda com estas premissas!
Não tenho nada contra mais uma possibilidade de não fracassar, mas acredito que se aprende mais com Quejana e os seus gostos livrescos, com Marcos e o grito final, com "The Moon and Sixpence" ou com "Billy the Kid" (durante muitos anos o meu favorito foi o "Juiz Roy Bean": nós éramos a lei a oeste do aqueduto!; e o João C. ao entrar numa prisão argentina exclamou "Tortilla para os Dalton"!)

Orlando disse...

senileoldbastard (???),

como é que alguém que decidiu fracassar, fracassa ao fracassar?

justcallmebastard (o rejuvenescido senileoldbastard) disse...

Ninguém decidiu fracassar.Eu só constato que a maior parte das pessoas fracassa. E uma pessoa pode querer "fracassar" de um modo específico e fracassar no alcançar dessa especificidade.Mas concordo contigo que uma pessoa não pode decidir fracassar.

Orlando disse...

justcallmebastard,

não sei se é bem isso que eu penso.