As manhãs e as tardes dos nossos canais generalistas estão desde há alguns anos ocupadas com programas de entretenimento para donas de casa que tentam imitar Oprah Winfrey, com um orçamento bem mais reduzido. Uma das lutas de galos baratinhas que eles gostam de organizar é colocar de um lado um ateu ou um cientista e do outro uma cartomante, um astrologo ou uma vidente. A variante astrologo versus cientista é a que corre pior para o representate da Razão. A posteriori, o cientista arranja boas explicações para o facto de a discussão não lhe ter corrido tão bem como ele esperava. A televisão é um meio de comunicação que não se presta muito bem à transmissão de mensagens complexas. As mais simplistas passam com mais facilidade e o astrologo está à partida em vantagem. Mas porque é que ele não pensou nisso antes de aceitar o convite?
O caso do astrologo é especialmente emblemático. A força gravítica dos planetas é demasiado fraca para ter qualquer efeito sobre as pessoas. Mesmo que assim não fosse, a precessão dos equinócios desactualizou todos os cálculos. O astrologo faz uma figura ridícula aos olhos do cientista.
Acontece que os cientistas são operários especializados, artesões que sabem produzir sapatos de alta qualidade. Normalmente não lhes sobra tempo para pensar em muito mais. Sobretudo não lhes sobra muito tempo para pensar em como funcionam as pessoas. É claro que estas palavras também se aplicam a mim.
Um bom astrologo passa a vida a pensar em como funcionam as pessoas. Os horoscopos são apenas um pretexto, um ponto de partida para começar uma consulta. O que se passa depois não sei. Não me atrevo a emitir opiniões sobre o que desconheço. Se a crença no determinismo dos astros pode agir como um placebo em favor dos objectivos do astrologo, que mal há nisso? Claro que o astrologo nunca o pode admitir. E alguns até acreditarão nos astros. Os advogados também acabam por acreditar nos clientes que defendem, mesmo quando há todas as razões para pensar o oposto.
Para muitos astrologos, o idiota é o cientista que supõe que o seu trabalho consiste em analisar cartas astrologicas. O idiota é o cientista que só conhece a dimensão racional de uma pessoa, ignorando tudo o resto. O astrologo age sobre o inconsciente das pessoas, algo em geral muito mais poderoso do que apelar à sua racionalidade. Numa disputa realizada fora das paredes de uma universidade o cientista dificilmente terá alguma hipótese. Nem alguma vez perceberá o que lhe aconteceu.
O caso do astrologo é especialmente emblemático. A força gravítica dos planetas é demasiado fraca para ter qualquer efeito sobre as pessoas. Mesmo que assim não fosse, a precessão dos equinócios desactualizou todos os cálculos. O astrologo faz uma figura ridícula aos olhos do cientista.
Acontece que os cientistas são operários especializados, artesões que sabem produzir sapatos de alta qualidade. Normalmente não lhes sobra tempo para pensar em muito mais. Sobretudo não lhes sobra muito tempo para pensar em como funcionam as pessoas. É claro que estas palavras também se aplicam a mim.
Um bom astrologo passa a vida a pensar em como funcionam as pessoas. Os horoscopos são apenas um pretexto, um ponto de partida para começar uma consulta. O que se passa depois não sei. Não me atrevo a emitir opiniões sobre o que desconheço. Se a crença no determinismo dos astros pode agir como um placebo em favor dos objectivos do astrologo, que mal há nisso? Claro que o astrologo nunca o pode admitir. E alguns até acreditarão nos astros. Os advogados também acabam por acreditar nos clientes que defendem, mesmo quando há todas as razões para pensar o oposto.
Para muitos astrologos, o idiota é o cientista que supõe que o seu trabalho consiste em analisar cartas astrologicas. O idiota é o cientista que só conhece a dimensão racional de uma pessoa, ignorando tudo o resto. O astrologo age sobre o inconsciente das pessoas, algo em geral muito mais poderoso do que apelar à sua racionalidade. Numa disputa realizada fora das paredes de uma universidade o cientista dificilmente terá alguma hipótese. Nem alguma vez perceberá o que lhe aconteceu.
20 comentários:
Não significa isto que eu recomende uma ida ao astrologo. Isso é outra história...
E o que dizer de todos os jornais e revistas que têm uma secção com o horóscopo?
Os horoscopos são lixo. Os jornais publicam-nos porque há quem os queira ler...
:(
Eu aqui com tanto trabalho a ver se choco alguém e só tenho direito a comentários destes?
"Uma das lutas de galos baratinhas que eles gostam de organizar é colocar de um lado um ateu ou um cientista e do outro uma cartomante, um astrologo ou uma vidente."
Este post passou-me um pouco ao lado porque nunca vi isso acontecer. Teria preferido um post sofre esses programas a la Oprah Winfrey. E quem são os cientistas que se sujeitam a ir a uma fátima lopes, quando é óbvio que o que se quer é polémica?
A televisão e os media em geral conduzem sempre as conversas para onde querem, ainda me lembro de dar umas entrevistas no tempo dos talentos. Todos os repórteres já tinham as ideias bem fixadas sobre o que queriam escrever antes das conversas.
Quanto à malta que vai ao astrólogo, para mim é um pouco como ir à igreja, mas mais caro.
(e assim, espicaço alguém?)
:)
Já vi uns comentários em blogs. Acontece...
Sei de um distinto colega que já caiu na esparrela. Algumas pessoas não resistem ao sex appeal dos media...
Esquece a Fatima Lopes.
Estou a falar em geral sobre as relações entre a ciência e as várias formas de misticismo.
Para variar, desta vez deixo de fora as religiões tradicionais.
Outro tema interessante é a relação entre a ciência e os criacionistas. Isso fica para outra vez...
E é por essas que temos um governo ladrão, que o 11 de Setembro é atribuído a uma dúzia de árabes, que se acredita no aquecimento global, no holocausto judeu, na pandemia da gripe A, etc….,
Diogo,
não percebi. Que tal detalhares um pouco mais o argumento?
"Outro tema interessante é a relação entre a ciência e os criacionistas."
Esta é outra que me passa ao lado. Sei que o blog dererumnatura pega nisso de vez em quanto, mas que eu saiba é só um problema nos states, ou não? Nunca me pus tal problema.
"Estou a falar em geral sobre as relações entre a ciência e as várias formas de misticismo."
Acho que as pessoas tendem a acreditar nos misticismos porque quem fala tem sempre muitas certezas, enquanto que um cientista quase nunca a tem :)
Hugo,
todas as coisas, boas e más, começa lá para os lados da California. Acabam por chegar cá...
Já há por aí uns quantos bloggers criacionistas.
Um cientista nunca tem certezas?
A sério? Era suposto ser assim.
Não é isso que eu vejo à minha volta.
O que eu estou a dizer é que, ao contrário do que parece ser uma certeza tua, nos problemas entre a ciencia e os misticismos e as religiões as atitudes erradas não estão todas do outro lado.
Com os erros dos outros posso eu bem. Gostava que a minha equipa cometesse menos erros.
Diogo, também não percebi o raciocínio. O meu problema é mais com o raciocínio do que com as conclusões...
É a mesma gente (uma ampla maioria) que não percebe que a força gravítica dos planetas é demasiado fraca para ter qualquer efeito sobre as pessoas, que também acredita que foram uma dúzia de árabes que fizeram o 11 de Setembro, que acredita no aquecimento global, no holocausto judeu, na pandemia da gripe A, etc….,
Ó ON, não vamos levar a conversa para as certezas da ciência ou não. O meu argumento era que os cientistas nunca respondem é assim "exactamente por causa disto", começam logo com um: pois, é preciso estudar, é capaz de funcionar assim ou assado, há muita probabilidade que a coisa funcione, etc. Pegue-se na origem do Universo, por exemplo.
"nos problemas entre a ciencia e os misticismos e as religiões as atitudes erradas não estão todas do outro lado."
Esta frase merece um desenvolvimento. Pronto, já conseguiste polémica :)
"Já há por aí uns quantos bloggers criacionistas."
A sério?!?!?!?
Eu só não comento porque o meu horóscopo diz que, esta semana, devo remeter-me ao silêncio...
:)
"A sério?!?!?!?"
Hugo, experimenta a tag creacionismo do blog do Ludwig Krippahl. Os creacionistas andam todos por lá.
Daí obtem-se os links para os blogs deles.
http://ktreta.blogspot.com/search/label/criacionismo
on
Diogo,
Eu estou a falar CONTRA os cientistas e A FAVOR dos astrologos.
Não é um bocado difícil analisar cientificamente uma pessoa? Há tantas inconsistências...
A astrologia também tem imensas inconsistências.
Consegue-se melhores resultados quando se tenta misturar duas coisas semelhantes do que duas coisas diferentes...
Madi:
"Não é um bocado difícil analisar cientificamente uma pessoa?"
A ciencia trata dos universais. A psicologia trata do que é comum a todos os seres humanos. Mesmo uma tipologia como a do Jung não resiste ao critérios cientificos. Não há testes double blind para determinar tipos psicologicos. O melhor que se arranja são testes que produzem hipoteses de trabalho.
Um psicologo que se especialize em psicoterapia esquce muito do que aprendeu e dedica-se a uma praxis que já não é uma actividade cientifica.
A psicanalise não é uma ciencia. A psicanalise eventualmente produz resultados porque o psicanalista tem uma personalidade suficientemente rica para criar uma ambiente propicio a que o seu cliente resolva aprenda a lidar com os seus problemas.
Não existe a psicanalise. Existem psicanalistas.
Os cientistas normalmente encaram a ciencia como a única forma de conhecimento. Os sapateiros também têm dificuldade em compreender outras profissões. Não é invulgar ouvir colegas manifestarem desconfianças em relação à existencia de teses de doutoramento em ciencias humanas. Afinal o que é que eles fazem esse tipos que se dizem historiadores, sociologos? Tudo banha da cobra.
"A astrologia também tem imensas inconsistências."
Claro que tem. Sobretudo não existe um conselho deontologico que de alguma forma nos dê garantias mínimas. Não me estou a ver a consultar um astrologo. Só não me parece razoavel que alguém julgue que a astrologia consiste em fazer calculos astronomicos para fazer afirmações probabilisticas sobre o futuro de uma pessoa.
Para além do mais não existe a astrolgia, existem astrologos.
Se a olharmos e outro prisma, pelo menos talvez ganhemos a capacidade de ir a programa de televisão e não ser cilindrado pelo astrologo.
Não. Não me estou a autoconvidar para ir à Fátima Lopes:)
"nos problemas entre a ciencia e os misticismos e as religiões as atitudes erradas não estão todas do outro lado."
Hugo,
a vida humana tem dimensões multiplas. Cada tipo de instituição enfatiza uma ou duas dessas dimensãos.
É a única forma de as desenvolver. Dentro de uma Faculdade de Ciências e Tecnologia previligia-se a racionalidade.
É bom que existam instituições dedicadas a esse fim. O problema é que muitas das pessoas que passam o melhor da sua vida dentro dessa instituição esquecem outras dimensões da vida bem mais fundamentais. A racionalidade é a ponta de um iceberg que emerge das aguas do inconsciente.
Não podemos ignorar o inconsciente.
Até nem o ignoramos totalmente. A criatividade não é o produto da racionalidade, transcende-a.
É espantoso a falta de capacidade revelada pelos cientistas para pensar o seu processo criativo.
Há pessoas que dedicaram as suas vidas a desenvolver outras dimensões da vida.
Algumas delas até trabalham noutras faculdades.
O ultimo paragrafo do post pretende mostrar que a atitude tipica de um cientista perante um astrologo
é muito pouco cientifica.
PS: Um dos livros do Damasio trata mesmo de xplicar como a racionalidade é construida em cima das emoções.
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