segunda-feira, fevereiro 23

Livrarias

Durante a minha adolescência havia vários lugares fetiches em Lisboa. O Estúdio, um mini cinema por cima do Império, ao pé do Técnico. Por lá se viam todos os Bergman's e Kubrik's da época. Havia as lojas da Avenida de Roma. Sobretudo, havia a Buchholz. A Buchholz era a única livraria de Lisboa onde se podia vislumbrar as obras completas do Freud, os filósofos, tudo. Mas o que tornava a Buchholz especial era a velha. A brucha. Havia duas teorias:
- A senhora era judia. Tinha passado anos num campo de concentração nazi. Agora vingava-se nos miudos que só lá compravam um livro de vez em quando.
- A senhora era uma nazi fugida a seguir ao fim da guerra. Dirigia a Buchholz como se fosse a sua antiga ala de Birkenau.
A livraria da Duque de Palmela tem dois andares. No andar de baixo podia-se folhear livremente os livros. O andar de cima era o reino da velha. Era lá que estavam os livros interessantes, que nos iam resolver todos os problemas filosóficos. Assim nós pudessemos ler os indices. Alguns dos meus amigos eram mais afoitos e liam umas páginas. Até ao dia em que ela pôs na rua o senhor do sobretudo de pelo de camelo que teve o desplante de lhe responder.
Voltei hoje à Buchholz. Já não tem o mesmo carisma. Falta a tal senhora. Sobretudo, faltam os livros. Nada mais triste numa livraria do que uma estante vazia. A internet acabou com as livrarias. Resta a FNAC, para as coisas mais simples. Não devia ser assim? Só comecei a comprar sistematicamente livros pela net depois da minha última encomenda, vai para uns dez anos. Voltei lá quinze dias depois: que não me preocupasse, já tinham tratado de tudo. Mais três semanas: olhe, qual era mesmo o nome do livro? Dois meses depois: má cara por eu não me lembrar do nome do dito cujo.
A Biblos abriu vai para um ano, ao pé das Amoreiras. Grande e bonita. Esqueceram-se dos livros. Parece que vai a caminho da falência.
Onde é que eu meti mesmo o cartão visa?

Sem comentários: