sábado, janeiro 24

Da Natureza da Verdade


Pessoas diferentes acreditam em visões diferentes do mundo.
Sempre houve uma oposição entre a visão conservadora e visão da esquerda. Ao longo dos tempos cada lado teve as suas vitorias e as suas derrotas. Já ninguém defende a escravatura, ninguém põe em causa o direito das mulheres a estudar e a votar. Já ninguém defende certas utopias da esquerda, como a abolição pura e simples do mercado.
Existia uma verdade que nós fomos pouco a pouco descobrindo, ou essa verdade foi construida?
Em última análise os consensos que foram entretanto estabelecidos que podem no futuro vir a ser invalidados?
Sempre que dois grandes grupos de uma sociedade têm posições diferentes sobre um tema, a verdade pode estar de um dos lados? Ou é uma sintese imprevisível entre os dois extremos?
Tem sentido falar na verdade?

Particularizando:
Se Deus existe, os ateus são um imbecis que perderam totalmente o sentido da vida.
O mesmo aconteceu aos que apostaram na religião errada?
Se Deus não existe, todos os crentes são uns idotas que desperdiçaram o melhor das suas vidas?
Qualquer das hipoteses é trágica!

Existe uma outra perspectiva para analisar esta questão?
Qual?

60 comentários:

Anónimo disse...

Na maneira como vivo a vida, será uma sintese imprevisível entre os dois extremos.

No caso apresentado da religião, não concordo que qualquer das hipóteses apresentadas seja trágica. Cada pessoa acaba por acreditar naquilo que pensa que lhe permite viver da melhor forma. Quer se esteja errado ou não, essa crença (ou não crença) foi útil.
E acho que há mais que essas duas posições: acredito que a maioria das pessoas tem dias em que acredita em algo que as ultrapassa (deus ou whathever) e outros em que não. A natureza humana não é ou preto ou branco, é mais umas vezes cinzento claro, outras cinzento escuro.
(escrevi sobre isso há pouco tempo:
http://dottoratoamilano.blogs.sapo.pt/107062.html )
Bom fds.

Carlos Albuquerque disse...

Se Deus não existe os crentes viveram a vida de um modo possível. Mas não existindo Deus haverá um modo de vida melhor do que outro?

Se o Deus a quem Jesus chamou Pai existe, o sentido da vida é amar e nesse caso não parece que a escolha da religião ou o ateísmo sejam impeditivos de acertar em cheio no sentido da vida. Tal como a escolha da religião certa não garante grande coisa. Apenas oferece a manifestação desse sentido numa vida concreta, a de Jesus. E uma comunidade, a Igreja, onde se procura viver e ajudar a viver esse sentido da vida (com um sucesso bastante discutível, diga-se).

maria disse...

o que é que é o melhor da vida?

Orlando disse...

Hugo,
uma sintese imprevisível entre os dois extremos é mesmo imprevisível. Por exemplo: às vezes um dos lados tem toda a razão e o outro estava completamente errado.

Orlando disse...

Carlos,
"Mas não existindo Deus haverá um modo de vida melhor do que outro?"

Não em termos absolutos. Mesmo que haja um ou mais deuses, porque terei de seguir a opinião de um deles?

Acontece que eu não escolho completamente o bem e o mal. Há princípios que se me impõem uma vez por outra. Não é preciso postular um deus para justificar tal coisa.

Acho teu segundo parágrafo uma apresentação das coisas um pouco ... ateia. Então e a vida depois da morte?

Até simpatizo com as ideias que expressas. A fronteira entre a religião que expões e uma filosofia de vida escolhida é muito, muito ténue.

Lá volta a questão da diferença entre acreditar e acreditar em acreditar...

Orlando disse...

MC,

no caso dos cristãos mais conservadores, o melhor da vida é tudo o que está para lá das limitações que eles se auto impuseram não por as acharem essenciais mas porque lhes disseram que que tinha de ser assim.

Carlos Albuquerque disse...

"Mesmo que haja um ou mais deuses, porque terei de seguir a opinião de um deles?"

Se existir o Deus de Jesus, então vale a pena seguir a opinião dele porque nos conhece (foi ele que nos criou) e quer que sejamos felizes.

"Acontece que eu não escolho completamente o bem e o mal. Há princípios que se me impõem uma vez por outra. Não é preciso postular um deus para justificar tal coisa."

Se Deus não existe então a escolha do bem deixa de ter um lugar privilegiado, mas continua a ser uma opção possível, claro.

"Acho teu segundo parágrafo uma apresentação das coisas um pouco ... ateia. Então e a vida depois da morte?"

A vida depois da morte é uma continuação do amor que aqui vivemos.

"Até simpatizo com as ideias que expressas. A fronteira entre a religião que expões e uma filosofia de vida escolhida é muito, muito ténue.
Lá volta a questão da diferença entre acreditar e acreditar em acreditar..."

Nem eu nem S. Paulo somos de "acreditar em acreditar". Se Cristo não ressuscitou acho que sou um bocado tolo. E gostaria mesmo de repensar a minha filosofia de vida.

A falta de provas irrefutáveis da ressurreiçao de Jesus deixa sempre algumas dúvidas.

Em contrapartida, sinto que o Evangelho para os humanos pode ser um pouco como a raíz quadrada de -1 nas origens da álgebra: pensava-se que não existia, mas dava resultados reais certos.

Anónimo disse...

Carlos,

dificilmente alguém que creia acreditar alguma vez o admitirá, mesmo para si próprio. Parece que a Madre Teresa andou lá perto.

Se houver vida depois da morte devo estar lixado...

O que é que terias de repensar se não existisse o teu Deus? Não percebo porque terias de o fazer!

Anónimo disse...

MC, no caso dos crentes menos ortodoxos...
fica para outra vez:)

Anónimo disse...

Só sei que não existem verdades absolutas ... existem sim dogmas institucionalizados que não desaparecem ... e isso é que é prejudicial ... não podemos ficar presos a ideias passadas, fazendo destas ideias emulações sem sentido, âncoras ocas ...

A existência da dúvida ...Se existe ou não um Deus ??
Só sei queo fanatismo gera violência e eu sou contra as religiões que usam a violência sja ela fisica ou psicológios perante os outros ....

Quem sou eu ? Que faço eu? Que sabe ele? O que é Justiça? O que é a virtude? O que é o amor? O que é o Ser? Só reconhecendo a nossa essência a nossa vivência podemos exprimir agir na autenticidade … encontrar a liberdade …
Unir conceitos opostos com nexo. O ser humano tem capacidade de criar compromissos de entendimento.
Em todas as coisas ditas normais / anormais há algo de indefinido, por isso relativo na análise...
Existe um Universo ... Universo regido por leis ... sendo a mais relevante a lei da consistência que por vezes é nula ... nós não estamos aqui por acaso ...

O lógico Versus o ilógico, este ilógico que se pode tornar lógico também.

Acho que devemos estar sujeitos no presente, a uma critica permanente sempre numa expectativa de renovação e evolução ... traduzindo em nós a evolução... Fora com a Ignorância ...

maria disse...

tou lixada :)

vê lá é se te convertes para saberes o que é o melhor da vida.

Unknown disse...

"O que é que terias de repensar se não existisse o teu Deus? Não percebo porque terias de o fazer!"

Porque muito do que vivi e escolhi (e escolho) tinha o pressuposto de que vale a pena apostar tudo no amor e confiar num Deus que tem uma palavra para além da morte.

Mudando os pressupostos, haveria que rever tudo. Nunca fiz a sério o exercício de supor que Deus não existia e por isso não sei dizer o que ficaria diferente.

"Se houver vida depois da morte devo estar lixado..."

Agora é a minha vez de dizer que não percebo bem porquê.

Anónimo disse...

Realmente não percebi também a frase, Carlos.

"Porque muito do que vivi e escolhi (e escolho) tinha o pressuposto de que vale a pena apostar tudo no amor e confiar num Deus que tem uma palavra para além da morte."

Só viveu uma vida de amor e partilha porque há Deus, caso contrário...?

Suponhamos que de facto não há nada depois da morte, não há nenhum significado maior na nossa existênca. (alguém consegue acreditar a 100% nisto?). Nesse caso, não iriamos praticar o "bem" ao próximo e mudávamos completamente os nossos valores?

Unknown disse...

"Só viveu uma vida de amor e partilha porque há Deus, caso contrário...? "

Não sei.

"Suponhamos que de facto não há nada depois da morte, não há nenhum significado maior na nossa existênca. (alguém consegue acreditar a 100% nisto?). Nesse caso, não iriamos praticar o "bem" ao próximo e mudávamos completamente os nossos valores?"

Porque não? Porque é que devemos escolher uns valores e não outros, sobretudo se uns valores nos levarem a dificuldades e os outros a menos dificuldades?

Anónimo disse...

Portanto o Carlos vive a vida como vive apenas para ser recompensado após a morte? Mas sendo assim, isso não é hipocrisia? "Eu na verdade escolho esta estrada não porque ache que é o que deva fazer, mas porque tenho depois uma recompensa (ou, digamos, medo de ir para o Inferno).

Carlos Albuquerque disse...

Hugo

Mas onde é que eu falei de recompensa? Ou de outro modo, o que é que fazemos sem ser por recompensa, quanto mais não seja por ficarmos satisfeitos connosco ou com a nossa consciência?

Aliás a questão fundamental é essa mesmo: o que é que nos leva a fazer as escolhas que fazemos?

Anónimo disse...

(alguém consegue acreditar a 100% nisto?)

Hugo,
não me passa pela cabeça que haja qualquer tipo de vida depois da morte. Não perco o sono por causa disso.

Não é por isso que caio no nihilismo. Há valores que se nos impõem, às vezes contra nossa vontade. Já agora: não preciso de uma divindade para explicar isso.

Quanto ao inferno: não é claro que exista, mesmo segundo a teologia católica.

Anónimo disse...

"Se houver vida depois da morte devo estar lixado..."

Carlos,
é isso que todas as religiões dizem mais ou menos implicitamente. Aí suponho que o Hugo está de acordo comigo. Eu não estou preocupado com o assunto.

Anónimo disse...

Carlos: A questão de porque fazemos o que fazemos é de facto muito interessante.

Se calhar interpretei mal as suas palavras no que toca à recompensa (e falava em recompensas externas), Carlos, mas ao dizer que se calhar viveria de forma diferente se deus não existisse, não consigo pensar porque o deveria fazer a não ser por medo ou um ganho qquer depois da morte.

Já que falamos de religião, gostaria de lançar duas questão aqui para o ar, principalmente para o Carlos que deverá ser a pessoa que me poderá responder melhor. (não são provocações, são perguntas sinceras que fiz enquanto fui católico praticante)
1. Para mim, o deus que a igreja católica vende tem um lado muito egoísta/egocêntrico. Se ele nos criou, então temos que adorá-lo?
2. E as rezas? "Se eu rezo tenho maior atenção de deus", isso também não seria injusto? Quer dizer que só nos ligam quando nos ajoelhamos? Os Maccan puseram o papa a rezar pela Madie. Aquela criança iria ser salva por deus e outras não?

(isto tem também a ver com a última resposta do on, com a qual concordo)

Anónimo disse...

Resumindo,

se se acredita numa divindade, ela deve afectar de alguma maneira as nossas vidas, as nossas pós vidas ou as nossas reencarnações.
As novas interpretações do cristianismo tendem a esbater essa influência:

Já não há inferno, os não crentes já não estão tão irremediavelmente condenados, etc.

A verdade é que as sensibilidades actuais limaram alguns aspectos mais arcaicos da sua religião.

É preciso algum cuidado. Por vezes o que sobra dessa depuração acaba por ser pouco mais do que uma metafísica. Se a existência de uma divindade não tem grandes consequencias na vida dos crentes e não crentes, qual é a diferença entre a sua existência e a sua não existência?

maria disse...

escrevi um comentário que se perdeu, vou tentar repetir.

o inferno não é o centro da mensagem bíblica. a salvação, sim.

é essa preposição que a teologia e catequéticas contemporâneas tentam repor.

de qualquer modo, o inferno não é destinado apenas aos não crentes.

Anónimo disse...

MC, Carlos,
afinal existe inferno?

maria disse...

a doutrina católica diz que sim. eu também acredito nessa possibilidade. alguém o escolherá? duvido.

Carlos Albuquerque disse...

"ao dizer que se calhar viveria de forma diferente se deus não existisse, não consigo pensar porque o deveria fazer a não ser por medo ou um ganho qquer depois da morte"

Se a pessoa que amo e com quem vivo não existisse eu seria uma pessoa diferente e viveria de forma diferente.

"se se acredita numa divindade, ela deve afectar de alguma maneira as nossas vidas, as nossas pós vidas ou as nossas reencarnações."

Mas isto é precisamente o que eu estava a dizer. O que acontece é que o On e o Hugo estão a presumir que o único modo de uma divindade afectar a nossa vida é o clássico cenoura/pau. No caso do cristianismo este modelo tem sido muito usado para controlar a s pessoas mas está claramente contra o Evangelho.

"Para mim, o deus que a igreja católica vende tem um lado muito egoísta/egocêntrico. Se ele nos criou, então temos que adorá-lo? "

Esse Deus criou-nos porque nos ama e para o amor. E se aceitarmos o amor também o amamos a ele. Mesmo assim deixou-nos a possibilidade de rejeitarmos o amor. Apenas não nos deixou a possibilidade de sermos felizes rejeitando o amor. E o inferno é a rejeição absoluta e definitiva de todo o amor. Será que alguém é capaz de tanto? Quem for capaz disso é que será capaz de criar o inferno.

Quanto às rezas, é como uma relação a dois: podemos amar-nos sem conversar muito mas não conversar nunca é uma boa maneira de acabar com uma relação. Rezar é primeiro do que tudo tentar escutar a Deus e para isso é útil que nos expressemos à nossa moda, como o fazemos com qualquer pessoa. Não é Deus que precisa da oração, somos nós.

Em relação aos pedidos a Deus, Jesus disse o que deveríamos pedir: o reino de Deus, que é o reino do amor e da fraternidade, que se fizesse a vontade de Deus (que é quem nos ama e conhece melhor), que tivéssemos aquilo de que precisamos para a nossa vida, o perdão das nossas faltas de amor ao mesmo tempo que perdoamos aos que nos ofendem e que nos afastasse do pecado e do mal. Isto é o Pai Nosso. Quando nos desviamos muito disto é normal que as nossas orações possam não ser atendidas. Isso não impede que peçamos por uma pessoa em particular e o Pai de Jesus parece querer deixar alguma margem de indeterminação para mudar de ideias se as pessoas lhe pedirem.

Já agora: a Igreja levou um certo tempo a dizê-lo claramente mas a verdade é que está implícito no Evangelho que não é preciso ser cristão para se ser salvo. Há uma passagem do Evangelho de Mateus que é absolutamente exemplar nesse aspecto: a denominação religiosa não é considerada por Deus.

maria disse...

obrigada, carlos. deixo-te o trabalho de doutrinar os incréus. eu vou dormir. deixei no meu blogue uma mensagem mais directa, uam linguagem que toda a gente conhece e espera.

Orlando disse...

Carlos,

há muita coisa a comentar no que dissestes. Vou começar pelas mais obvias.

A: Não encontrei na tua citação do Evangelho de Mateus nenhuma afirmação no sentido de

"a denominação religiosa não ser considerada por Deus"

Podias ser mais específico sobre a passagem em questão?

B: afinal existe inferno?

Orlando disse...

"a doutrina católica diz que sim. eu também acredito nessa possibilidade."

MC,
A)
1: acreditas na possibilidade de existir inferno,

ou

2: acreditas que existe inferno?

Não é a mesma coisa...

B) a doutrina católica exprime possibilidades ou verdades?

"alguém o escolherá?"

MC,
alguém escolherá o quê?

C)
1: a existência do inferno.
2: a possiblidade da existência do inferno.
3: o inferno.

D) Factos como a existência ou não de inferno é algo que escolhemos?
Como escolhemos uma religião ou escolhemos ser ateus?

E) Se assim é há factos que escolhemos ou não que são verdade e outros que são verdade independentemente da nossa verdade?
Ou será que estás a falar de escolher crenças?

Carlos Albuquerque disse...

On

A passagem a que me referia é Mt 25, 31-46. Trata-se do "Julgamento Final", aquele em que se decide a sorte de cada um. Os candidatos já estão separados e trata-se de esclarecer qual o critério para o "Céu" e para o "Inferno". Ora o critério usado pelo "Filho do Homem" (Jesus) é o bem que foi ou não feito aos mais necessitados. Há outras passagens em que Jesus esclarece que não é quem lhe chama "Senhor" que é escolhido mas sim quem faz a sua vontade. Outra passagem fundamental, as Bem-Aventuranças (Mt 5, 1-11), só no último ponto tem um critério religioso. Sem esquecer o que Jesus disse da hipocrisia dos líderes religiosos do seu tempo (que foram aliás quem realmente decidiu a sua morte).

Tudo resumido, se tu nem acreditares em Deus mas fores sensível aos mais necessitados tens a possibilidade de estar no Reino.

Quanto ao Inferno, hoje não é entendido como um local mas como um estado de cada um. Ora nesse caso podes dizer que o Inferno é a possibilidade de alguém escolher esse estado (e nesse caso existe inferno ainda que possa estar vazio) ou dizes que só existe inferno se alguém escolher esse estado e aí não é certo que exista inferno. O que é decisivo é sabermos que a escolha é nossa e tem a ver com a forma como vivemos uns com os outros.

maria disse...

On

és óptimo a questionar, mas eu tenho de sair do teu esquema. Nesta questão é impossível sair da ambiguidade.

Fiz um post sobre este tema em que assumo que tem de ser uma questão em aberto. O inferno não faz parte do Credo.

Eu creio em Deus. Não creio no inferno. Não são duas afirmações de igual valor.

Como o meu texto é longo, opinativo e de cariz muito confessional, não quero trazê-lo para aqui. se quiseres vais lá e lês.

maria disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Orlando disse...

Ok Carlos,
faz sentido. É obvio que escolhestes as partes da Biblia que te davam mais jeito. Um pouco mais atrás ou mais à frente, lêem-se frases que apontam na direcção contrária. Escolher umas em vez de outras não será dar conselhos a Deus?
Mas a verdade é que a tua teologia está bem construida! Nada a apontar.

Anónimo disse...

"Tudo resumido, se tu nem acreditares em Deus mas fores sensível aos mais necessitados tens a possibilidade de estar no Reino."

Isto faz-me sentido como filosofia de vida. Até porque também acho que não se pode escolher uma religião errada, no meu entender.
A biblia é, no meu entender, um livro com muitas metáforas e muitos textos diferentes e até contraditórios entre si. Daí dizerem que não é mesmo para levar à letra. Não deixa também de ser um livro bonito que todos deviam conhecer minimamente, crentes ou não.

Orlando disse...

Hugo,
aqui entre nós que ninguém mais nos houve, faz mesmo sentido?
Ser sensivel para com os mais necessitados resume tudo o que é importante?
E vamos fazê-lo como seguro para não sofrer um castigo?
Aproveito para lembrar um episódio dos Maias.

Orlando disse...

PS:
Ser coerente é uma coisa.
Fazer sentido, é outra.
É a diferença entre a sintaxe e a semântica:)

Carlos Albuquerque disse...

"Ser sensivel para com os mais necessitados resume tudo o que é importante?"

O "resumo" autorizado e oficial são os quatro evangelhos.

"E vamos fazê-lo como seguro para não sofrer um castigo?"

Amar apenas para evitar um castigo faz tanto sentido na religião como em qualquer outra área da nossa vida afectiva. Alguém ama outra pessoa para evitar um castigo? Não é essa a proposta do Evangelho.

maria disse...

"ser coerente é uma coisa fazer sentido é outra"

A fé para o Carlos tem um sentido. As consequências para a vida que o carlos retira da fé que professa, idem.

Para o On não têm o mesmo sentido. Mas pode dizer-se que não têm sentido? Quem valida?

Anónimo disse...

On: quando disse que fazia sentido, referia-me mais a não ser preciso ser crente para entrar no reino, mas sim apenas seguir alguns valores da igreja (que, na sua maioria, vejo como positivos).

Quanto a castigos, pode não ser o que o evangelho professa, mas a igreja não segue quanto a mim essa linha. A religião sempre foi usada como um instrumento de submissão. Isso e essa história de estarmos sempre a ter de pedir desculpas pelas nossas falhas (que coitadinhos que somos, desculpa-me senhor, não te mereço e tal) nunca entrou muito comigo.

Mas no fundo, não me choca nenhuma das visões aqui mostradas. No fundo, desde que estejamos bem connosco próprios, e gostarmos da vida que levamos... (sem nos intrometermos abusivamente na dos outros). Cada um escolhe a estrada que lhe faz mais sentido para viver melhor consigo mesmo.

E é por isso que estas discussões, apesar de interessantes, são inúteis do ponto de vista do convencer os outros das nossas ideias.

Anónimo disse...

MC,
ando a ler um livro que me diz:
"não andes a anlaisar logicamente os discursos dos outros, não os vais convencer e só os vais irritar."
Muitas vezes é difícil fazer aquilo que até nos parece estar correcto.
Talvez por isso não tenhas reparado no facto de eu estar a fazer uma pergunta ao Hugo.

Carlos,
estava a falar do teu resumo.

Hugo,
talvez a discussão não leve a nenhum lado, mas talvez acabe por a médio prazo algo mude em todos nós. É muito mau só falar com pessoas que pensam mais ou menos como nós. E pensa-se tão pouco...
E pode ser que eu aprenda a discutir um pouco melhor. Ainda não desisti de aprender...

maria disse...

reparei, on. reparei que era para o hugo, que tinha comentado o que o carlos escreveu. talvez tenha interpretado mal, mas achei que estavas a pôr em questão (através do que o hugo escreveu) o discurso do carlos.

sim, é importante saber discutir. acho que não tem problema de maior, analisar a lógica do discurso do outro e confrontá-lo com isso. talvez escolher o momento para o fazer resultar melhor.

neste diálogo de crentes e não crentes, há muito preconceito de ambos os lado, há sensibilidades e maneiras de ver diferentes. tudo isso aparece no diálogo.

com isto tudo, se calhar, uns ficarão ainda mais ateus (isto não deve existir) :) e outros radicalmente mais crentes. se todos ficarem felizes... :) o que é que se pode querer mais?

Anónimo disse...

MC,
mas há algum mal em por em questão?

Anónimo disse...

Isto aqui está bastante longo e de facto não li tudo.

Antes de responder se Deus existe ou não, eu gostaria de saber O QUE É Deus? Ou o que na generalidade as pessoas consideram como Deus. É que toda a gente discute se Deus existe ou não mas ninguém define o que é esse Deus que existe ou não

É uma criatura humanóide?
Um conceito abstracto/filosófico?
Uma moralidade geral?
Uma força metafísica?
Uma energia?

Carlos Albuquerque disse...

On

Não há problema em pôr em questão o discurso do outro. Mas isso deve ser feito com atenção e sem simplificações. Ora a certa altura fiquei com a impressão que estavas a simplificar o que eu escrevi precisamente no momento em que o Hugo começava a achar que fazia sentido o que escrevi. O Hugo percebeu a mensagem e apressou-se a assegurar-te que não ia mudar de campo: "estas discussões, apesar de interessantes, são inúteis do ponto de vista do convencer os outros das nossas ideias".

As grandes religiões apreciam o debate para tentar convencer os outros e não gostam de perder os seus fiéis. Isso é normal. Mas mesmo assim acho que devemos ser rigorosos na medida do possível.

maria disse...

On,

Podem pôr-se todas as questões, a tua também.

Seria um grande obstáculo à minha fé se me dissessem que era obrigada a crer. Seria até um grande motivo para descrer. Ninguém aqui pontua isso.

maria disse...

madi, olá :)

a tua questão:

Não é o Que é, mas Quem é.

Cito Hans Kung, para ser mais clara:

- Deus é a origem de tudo e todos.

S. João (evangelista) diz: Deus é Amor.

Eu ractifico: o Amor não é um elemento, entre vários, de Deus. É a sua essência.

Revelação de tudo isto: Jesus Cristo.

Carlos Albuquerque disse...

MaDi

Falo pelos católicos.

Ninguém sabe bem o que "é Deus". O melhor que se conseguiu na Bíblia foi relatar em termos humanos a interacção com esse Deus. E essa interacção é sempre uma interpretação humana dos factos. Mas se quiseres o essencial, lê os Evangelhos tendo em conta que Jesus afirma que quem o vê a ele vê a Deus.

A teologia católica tentou depois aplicar a filosofia de Aristóteles para caracterizar rigorosamente Deus mas o resultado parece-me francamente pobre e com frequência mesmo infeliz.

Orlando disse...

Carlos,

quem disse

"Tudo resumido, se tu nem acreditares em Deus mas fores sensível aos mais necessitados tens a possibilidade de estar no Reino."

foste tu.
Parece-me pouco. Mesmo para resumo. Podias também falar no amor. Acho uma mensagem pobre.
Podemos discutir isso com calma outro dia.

Dizes que estou a simplificar.
Se reparares bem, tu procuras nos quatro evangelhos umas quantas frases com que constrois a tua versão pessoal do catolicismo e deixas de fora as outras, que dizem exactamente o oposto do teu ponto de vista.

Por exemplo: sobre o inferno, há frases que apontam em direcções bem diferentes, muito perto das que escolhes.

Tu podes escolher, mas eu nem posso escolher a tua escolha, tenho que gramar com o livro todo. Será que essa penitência me livrava de uns anos de Purgatório? (*)

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Não me parece que o Hugo não estivesse a mudar de posição. Eu também fiz um comentário elogioso à tua exposição. Achas que estou prestes a converter-me por isso?

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Gostavas de me apanhar a discutir se o ateísmo é uma religião, grande ou pequena? Gostavas sim senhor, mas não vais ter sorte nenhuma!

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(*) Que presunção a minha.
Mas eu até prefiro o inferno. Como se costuma dizer na minha congregação: O ar condicionado é mau, mas a conversa é mais interessante:)
O céu deve ser uma chatice.

Orlando disse...

Olá MaDi,
não se nota nada mas isto vai avançando. Não se nota? É preciso olhar com muita muita atenção:)

Carlos Albuquerque disse...

On

A questão da escolha das frases é perfeitamente pertinente e profunda. Mas daí a relevância do "livro todo".

Os evangelhos não podem ser lidos como um livro de mensagem única, como um texto rigoroso e coerente. São antes um conjunto de pontos de vista, um conjunto de impressões, sobre a actividade de Jesus. A leitura dos "livros todos" dá uma visão de conjunto que não pode ser obtida através de frases soltas. E a rigor só lendo grande parte da Bíblia se fica com o enquadramento para comprender o Evangelho.

Mesmo assim subsistem inúmeras questões em aberto. Por isso a Igreja assumiu desde sempre que ia resolvendo, esclarecendo e aprofundando a fé. Essa é uma diferença fundamental entre os católicos e muitos protestantes: estes apenas admitem a Bíblia como fonte enquanto os católicos aceitam a Bíblia e a Tradição da Igreja. Simplificando: a comunidade que é a Igreja é que decide quais as frases que são de levar mais à letra e quais as que são para interpretar de outro modo.

Quanto ao resumo que fiz, não pretendia ser um resumo do cristianismo mas sim esclarecer que os ateus podem perfeitamente aceder ao reino. Aliás, se reparares, quem vai estar no inferno são as pessoas que rejeitam total, absoluta e definitavemente o amor. Duvido que por lá consigas encontrar alguém interessado em conversar, seja com quem for. Isso já mostraria uma certa abertura ao outro.

Anónimo disse...

Ou seja, se quero realmente discutir contigo e perceber do assunto, só convertendo-me.

Anónimo disse...

Resumindo, na sociedade actual já não é razoavel acreditar num inferno. Procurando convenientemente na Bíblia, encontra-se maneira de ajustar a doutrina àquilo em que acreditamos.
Ou seja, vai-se construindo uma religião e uma divindade à imagem das pessoas que somos e da sociedade em que vivemos.

Anónimo disse...

"O Hugo percebeu a mensagem e apressou-se a assegurar-te que não ia mudar de campo: "estas discussões, apesar de interessantes, são inúteis do ponto de vista do convencer os outros das nossas ideias"."

Vocês, meus amigos, analisam de mais as coisas :)
Seja como for a frase ia mais no sentido de isto me estar a parecer já não uma sessão de esclarecimento, mas uma de convencimento, como regra geral acaba sempre por ser.

Seja como for gostei do ponto de vista do Carlos, não é demasiado extremista e parece-me razoável. Tal como disse lá acima, eu tive uma educação Católica, que acho que me ensinou bons valores. Saí aos 18 chateado com algumas coisas, e decidi interpretar as coisas mais à minha maneira.

maria disse...

on,

é bem diferente ir buscar à bíblia o que nos agrada e construir o tal ídolo, nunca isso será deus, e fazer uma leitura histórica da Bíblia. Leitura das circunstâncias históricas dos textos e leitura dos mesmos à luz da história que vivemos.

É nas circunstâncias históricas que vivemos HOJE que Deus se comunica. Deus não está circunstanciado ao tempo e espaço, mas é neles que eu o apreendo.

Exemplo: não tenho, hoje, a mesma imagem de Deus, nem a mesma relação de quando fiz a primeira comunhão (momento bem marcante que ainda revejo sem dificuldade). Deus não mudou, nem eu o mudei. Mas a nossa vida não é estática (com as relações humanas acontece a mesmíssima coisa), mudou a relação que tenho com Ele.

É evidente que somos influenciados pelas circunstâncias, pelas pessoas, pelas nossas mudanças interiores e exteriores, não quer isso dizer, linearmente, que vivemos segundo as modas. Há quem viva e quem não viver que atire a primeira pedra. Mas reduzir assim tudo num único comentário é provocação ou má vontade. Acho que teimosia, sobretudo.

Já passámos aos insultos :) o que se segue?

Anónimo disse...

Olá, on
não noto assim muito de facto...

MC,

Dizer que Deus é a origem de tudo e todos para mim não tem verdadeiramente nada a ver com o dizer que Deus é Amor.

Até posso concordar que haja algo que esteja na origem de tudo e de todos, mas porque é que isso tem que estar relacionado com o amor?

CA:
Que ninguém sabe o que é Deus já tínhamos percebido. Mas também não acho bem que toda a vez que eu faça essa pergunta a um católico me digam para ler a bíblia. Eu posso ir ler a bíblia, mas vou achar um texto lindo, de sensibilização humana e que devemos de facto sermos bons uns para os outros porque facilita a vida de todos e não vou ter nenhuma ideia do que de facto é Deus.

Isto porque existe uma grande confusão sobre a identidade de Deus.

E sobretudo uma grande confusão entre as religiões.

Carlos Albuquerque disse...

"Eu posso ir ler a bíblia, mas vou achar um texto lindo, de sensibilização humana e que devemos de facto sermos bons uns para os outros porque facilita a vida de todos e não vou ter nenhuma ideia do que de facto é Deus."

MaDi

Não percebo como é que consegues caracterizar a Bíblia assim. O texto em geral não me parece nada lindo, nem sempre diz que devemos ser bons uns para os outros e sobretudo não o justifica dizendo que facilita a vida de todos.

A Bíblia está cheia de histórias de homens (e mulheres) que se encontram com alguém que eles acham que é Deus. A partir daí sentem diversos apelos e vão seguindo melhor ou pior esses apelos. Ao fim de algum (por vezes muito) tempo descobrem que esse Deus tinha um plano de felicidade para eles e que fizeram um caminho nesse sentido.

Ganhando um pouco mais de distância, há todo um povo que sente colectivamente essa chamada e essa presença de Deus e que espera por um enviado especial de Deus.

Jesus afirma que é esse enviado e mostra que todos esses caminhos individuais e colectivos estavam orientados para o amor por um Deus que é amor. Jesus renova e intensifica a chamada a todo e cada um dos homens mas deixa claro que não vem remover as dificuldades. Assume ele próprio todas as consequências das suas palavras e acções. Depois de Jesus há uma comunidade que sente que Jesus está vivo e revê à luz desse sentimento tudo o que Jesus tinha dito e feito, percebendo que ele já apontava para a vida para além da morte.

A comunidade dos seguidores de Jesus sente o apelo a espalhar a boa nova (Deus é amor e a morte não tem a última palavra).

Depois de tudo isto, continua sem estar claro o que é Deus (que começa por se caracterizar como "Eu sou"), ficam questões fundamentais por responder (Jesus não deu qualquer explicação para o sofrimento) mas existe um modelo de relacionamento de Deus com os homens (podemos também nós viver hoje e aqui uma relação com Deus, que nos orienta para a felicidade e para uma vida que não acaba na morte).

Anónimo disse...

MC,
a propósito do teu exemplo:
uma coisa é uma pessoa ir amadurecendo o seu entendimento pessoal de um assunto, isso é absolutamente natural. Outra é uma instituição milenar ir mudando ao sabor dos tempos. Devias dar um pouco mais de valor à minha opinião porque o TEU papa faz a mesma crítica, embora por razões diferentes.

Já vi várias vezes a extraordinária capacidade de os crentes de uma religião se sentirem insultados com grande facilidade. Mesmo que o adocem com um sorriso:)

maria disse...

Madi,

a centralidade da fé cristã é mesmo a junção da preposição "Deus é amor" e porque é amor, cria.

A fonte onde se recolhe esta mensagem é na Bíblia. E ao contrário do que normalmente se diz, que o Antigo Testamento mostra um Deus cruel e vingativo, é precisamente nele que encontramos (e foi nele que Jesus Cristo recolheu) a imagem de um Deus profundamente apaixonado pelo Homem. Livros que são testemunhas disso: Cântico dos Cânticos, Oseias, Ezequiel. Em Isaias também existem belas passagens que retratam esta essência divina.

Não é por acaso que o actual Papa, escreveu como primeira carta aos católicos a "Deus caritas est".

aqui fica um excerto:"O aspecto filosófico e histórico-religioso saliente nesta visão da Bíblia é o facto de, por um lado, nos encontrarmos diante de uma imagem estritamente metafísica de Deus: Deus é absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de todas as coisas — o Logos, a razão primordial — é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um verdadeiro amor."

maria disse...

On,

cada pessoa amadurece pessoalmente a sua fé (ou não), mas isso também se faz em Igreja. É sempre um movimento nos dois sentidos - pessoal e comunitário.

Deus já revelou ao Homem tudo o que tinha a revelar, acerca de Si, mas o trabalho de apreensão da revelação é feito de forma dinâmica, é um percurso, um caminho. O livro do Êxodo ao falar dos quarenta anos de deserto, nada mais faz do que mostrar que para aquele povo (e hoje para nós) o encontro com Deus se faz a caminho. Até porque Deus não age de fora, age dentro do próprio homem e nos acontecimentos da história.

Dou-te um exemplo prático: tu desde que começaste a falar até hoje não trataste sempre o teu pai da mesma forma. No entanto, desde que nasceste, ele foi sempre teu pai e tu o seu filho.

As preposições do credo não mudam, mas "sei que literalmente cada palavra da profissão de fé apostólica tem que ser traduzida para dentro do mundo pós-copernicano, pós-kantiano, pós-darwiniano, e pós-einsteiniano" (Hans Kung).

E o meu papa sabe isso. Duvido que ele tivesse escrito há vinte anos a carta "Deus caritas est" com a mesma linguagem que usou. Mas os prícipios são sempre os mesmo. Deus que é amor, cria!

Quanto ás ofensas, somos humanos e ofendemo-nos, não vejo onde é que isso seja um obstáculo à fé e ao diálogo. Se a pessoa, mesmo ofendida, for capaz de um sorriso acho óptimo e encantador. :) quem o recebe deve ficar contente e grato.

Anónimo disse...

MC,
pós-copernicano?
pós-einsteiniano?
pós-darwiniano?
o que é que isso quer dizer?
Também existe o pós cristão?

maria disse...

On,

quer dizer que não pode a mensagem cristã ignorar os elementos que essas figuras introduziram no saber e no pensamento humano. A partir deles vai ter que ler o "mundo" e a si própria de outro modo. É o tal dinamismo de que falei.

o pós cristão creio que será a Bem-aventurança eterna. assim o creio e espero. :)

mas indo ao que queres dizer com isso, é bem vísivel na Igreja católica a discussão entre uma religião totalmente cristocêntrica e movimentos que propõem que a revelação se dá com igual validade noutros grupos religiosos.

se não fui clara depois explico, não quero encher a tua caixa de comentários com propaganda da minha igreja.

Anónimo disse...

Olá MC,
pareceu-me que estavas a usar "pos" no sentido de "pos-industrial", que acaba por significar algo diferente. Estou esclarecido:)