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segunda-feira, maio 25

As aventuras de Psyche 1

Algures num reino muito distante uma rainha deu à luz a sua terceira princesa. Os ventos espalharam pela terra o quanto era impossível explicar por palavras a beleza, a inocência e a virginalidade de Psyche. Dizia-se até que um dia ela acabaria por destronar a deusa Afrodite no coração de todos os homens.
As qualidades que levavam os homens a venerá-la acabavam também por os intimidar. A idade do casamento aproximava-se e nenhum pretendente surgia. O rei achou por bem consultar um oráculo. Invejosa e vingativa, Afrodite levou o oráculo a determinar que só a Morte poderia desposar Psyche. Ela deveria ser deveria ser acorrentada a uma rocha no topo da mais alta montanha do reino, onde ficaria à mercê da mais horrível das criaturas.
Ninguém se atrevia a não respeitar a decisão do oráculo. Afrodite não se deu por satisfeita. Ordenou ao seu filho Eros que atingisse Psyche com uma das suas flechas momentos antes do monstro a despedaçar. A sua vingança só seria completa se a virgem se entregasse ao monstro. Quando preparava a flecha, Eros feriu-se nela. Nem ele próprio escapa à sua magia. Apaixonado por Psyche, Eros pede ao seu amigo, o Vento de Oeste, que a liberte e a leve para o Vale do Paraíso.
continua

sexta-feira, maio 1

Brunello

Depois de outro troço de estrada, ouvimos ruídos, e numa curva aparece um grupo agitado de monges e servos. Um deles veio ao nosso encontro com grande urbanidade:
- Bem-vindo senhor, e não vos admireis se imagino quem sois, porque fomos advertidos da vossa visita. Eu sou o despenseiro. E se vós sois, como creio, frei Guilherme de Baskerville, o abade deve ser avisado.
Tu, sobe a avisar que o nosso visitante está prestes a entrar a cerca!

- Agradeço-vos, senhor despenseiro - respondeu cordialmente o meu mestre - e tanto mais aprecio a cortesia quanto para em saudar haveis interrompido a perseguição. Mas não temais, o cavalo passou por aqui e dirigiu-se para o carreiro da direita. Não poderá ir muito longe, porque chegando ao depósito de estrume terá de parar. É demasiado inteligente para se lançar pelo terreno íngreme.

- Quando o haveis visto? - perguntou o despenseiro.

- Não o vimos de modo algum, mas se procurais Brunello, o animal não pode estar senão onde eu disse.

O despenseiro hesitou, fitou Guilherme, depois o caminho e perguntou:
- Brunello, como sabeis?

- Vamos - disse Guilherme - é evidente que andais à procura de Brunello, o cavalo preferido do Abade,o melhor galopador da vossa estrebaria, de pelo negro, cinco pés de altura, cauda majestosa, casco pequeno e redondo mas de galope bem regular; cabeça miúda, orelhas finas mas olhos grandes. Foi para a direita, digo-vos, e apressai-vos, em todo o caso.

O despenseiro teve um momento de hesitação, depois fez um sinal aos seus e lançou-se pelo caminho da direita, enquanto os nossos machos continuavam a subir. Quando estava para interrogar Guilherme, porque me roía a curiosidade, ele fez-me sinal para esperar: e, de facto, poucos minutos depois ouvimos gritos de júbilo, e na curva do caminho reapareceram os monges e servos trazendo o cavalo pelo freio. Passaram ao nosso lado, continuando a olhar-nos algo atónitos, e precederam-nos em direcção à abadia. Creio mesmo que Guilherme afrouxava o passo à sua mula para lhes permitir contar o que tinha sucedido.

- E agora dizei-me - por fim não soube conter-me - como fizeste para saber?

- Meu bom Adso - disse o mestre. - Em toda a viagem te tenho ensinado a reconhecer os traços com que o mundo nos fala como um grande livro. Quase me envergonho de te dizer aquilo que deverias saber. No trívio, sobre a neve ainda fresca, desenhavam-se com muita clareza as pegadas dos cascos de um cavalo que apontava para um carreiro à nossa esquerda. A bela e igual distância uns dos outros aqueles sinais diziam que o casco era pequeno e redondo e o galope de grande regularidade... de modo que daí deduzi a natureza do cavalo e o facto de ele não correr desordenadamente como faz um animal irritado. Ali, onde os pinheiros formavam como que um tecto natural, alguns ramos tinham sido quebrados de fresco justamente à altura de cinco pés. Um dos silvados de amoras, por onde o animal deve ter andado para meter pelo caminho à direita, conservava ainda entre os espinhos belas crinas negras...

- Sim - disse -, mas a cabeça pequena, as orelhas aguçadas, os olhos grandes...

- Não sei se os tem mas decerto os monges o crêem firmemente. Dizia Isidoro de Sevilha que a beleza de uma animal tal exige. Se o cavalo não fosse o melhor da estrebaria, não se explicava porque a persegui-lo não foram só os moços, mas se incomodou o próprio despenseiro. E um monge que considera um cavalo excelente não pode deixar de o ver como as auctoritates lho descreveram, especialmente se - e aqui sorriu com malícia - é um douto beneditino...

- Está bem - disse - mas porquê Brunello?

- Que o Espírito Santo te ponha miolos na cabeça, meu filho! Que outro nome lhe terias dado se o grande Buridano, que vai ser reitor em Paris, tendo de falar de um cavalo, não encontrou nome mais natural?

segunda-feira, abril 20

Descer a rua

Desço a rua.
Há um grande buraco no passeio.
Caio nele.
Estou perdido ... desamparado...
A culpa não é minha!
Levo um tempo infinito a sair do buraco.

Desço a rua.
Há um grande buraco no passeio.
Faço por não o ver.
Caio nele.
Não posso crer que voltou a acontecer!
Mas a culpa não é minha!
É dificil sair do buraco.

Desço a rua.
Há um grande buraco no passeio.
Estou a vê-lo.
Volto a cair nele ... é um hábito ... mas
os meus olhos estão abertos.
Sei onde estou.
A culpa é minha.
Saio do buraco rapidamente.

Desço a rua.
Há um grande buraco no passeio.
Desvio-me dele.

Desço outra rua.

sábado, março 14

Philosophy 101

A sala já estava cheia quando o Professor Heiddengstein entrou com uma jarra de vidro debaixo do braço. Era a primeira vez que leccionava o curso de introdução à filosofia. Por onde começaria? Sócrates ou Platão? Pouco original... Talvez Nietzche ou Spinoza. Afinal eram as suas duas grandes influências.
Heiddengstein levanta um balde escondido por detrás da secretária e começa a tirar de lá pedras que coloca cuidadosamente dentro da jarra. Quando acaba a tarefa fita pela primeira vez a audiência. Acham que a jarra está cheia?
O silêncio torna-se embaraçoso. Tantos professores na sala. Uma voz corajosa arrisca um sim. Vários ruidos permitem concluir que é essa a opinião da maioria. A secretária tapava outro balde. Este continha gravilha. Durante longos minutos o professor vai agitando a jarra de forma a que as pedras pequenas vão encontrando os espaços deixados livres pelas maiores.
Quando já não consegue colocar mais gravilha senta-se para recuperar as forças e repete a pergunta. Não espera pela resposta. O novo balde contem areia. Quando já não há mais espaço para a areia Heiddengstein deita a que sobrou noutro balde e abandona a sala por alguns momentos. Volta com o balde cheio de água, que despeja cuidadosamente para dentro da jarra.
Volta a fazer a pergunta. Alguém arrisca um sim. Heiddengstein tira da gaveta um saco cheio de açucar que começa a dissolver cuidadosamente na lama que enche a jarra.
A aula já era suposta ter terminado há longos minutos. Ninguém abandona a sala. Então, agora a jarra está cheia?
Várias pessoas aprenderam a lição: Não, é claro que não está cheia!
(continua)

sexta-feira, fevereiro 13

O Príncipe e o Mágico

Era uma vez um príncipe que acreditava em tudo menos em três coisas. Não acreditava em ilhas, não acreditava em princesas, não acreditava em Deus. O seu pai, o rei, disse-lhe que tais coisas não existiam. Como não existiam princesas nem ilhas no reino do seu pai, nem qualquer sinal de Deus, o príncipe acreditava no seu pai.
Um dia o príncipe saiu do palácio e viajou até ao reino vizinho. Aproximou-se do mar e, para seu grande espanto, avistou ilhas e estranhas criaturas que não ousou nomear. Quando procurava um barco para tentar visitar a ilha mais próxima, avistou um homem que passeava na praia envergando um manto.
São verdadeiras aquelas ilhas? -- perguntou o jovem príncipe.
Claro que são verdadeiras! respondeu o homem do manto.
E que criaturas são aquelas?
Claro que são princesas!
Então Deus deve existir! -- gritou o príncipe.
Eu sou Deus! -- respondeu o homem do manto, fazendo uma pequena vénia.
O jovem príncipe voltou ao seu palácio tão rápido quanto pôde.
Então voltastes! -- exclamou o rei seu pai.
Vi ilhas, vi princesas, vi Deus! -- respondeu o jovem príncipe.
O rei não se deixou afectar pela exaltação do príncipe:
Não existem nem ilhas, nem princesas, nem Deus!
Eu vi-os!
E como estava vestido Deus?
Deus usava um manto...
E podias ver os seus sapatos?
Não...
O rei sorriu. Esse é o uniforme dos mágicos! Foste enganado...
O princípe abandonou o palácio e voltou o mais rápido possível ao reino vizinho. Voltou a encontrar o homem do manto.
O meu pai, o rei, disse-me quem o senhor é. Não me voltará a enganar! Agora sei que as ilhas e as princesas não são reais porque o senhor é um mágico!
O homem do manto sorriu.
No reino do teu pai existem muitas ilhas e muitas princesas. Só não as vês, meu rapaz, por causa do feitiço que o teu pai te lançou!
O príncipe voltou a casa imerso nos seus pensamentos. Olhou o seu pai, o rei, nos olhos e perguntou:
Pai, é verdade que não és um rei, mas sim um mágico?
O rei sorriu. Levantou-se e deixou que o seu manto lhe tapasse os pés.
Sim, meu filho, sou apenas um mágico.
Então o homem da praia é Deus?
O homem da praia é apenas um mágico.
Eu preciso de saber a verdade, a verdade por detrás da magia!
Não há verdade por detrás da magia...
Profundamente infeliz,o jovem príncipe anunciou que não podia aceitar tal situação, só a morte o podia libertar.
O rei estalou os dedos e apareceu a Morte. A Morte permaneceu à porta, mas acenou ao príncipe.
O príncipe estremeceu. Lembrou-se das belas princesas irreais que viviam nas belas ilhas que não existiam. Muito bem. Acho que posso suportar a situação.
Muito bem, meu filho. Tu também, começas a ser um mágico.
The Magus, John Fowles.

domingo, abril 13

A mulher de Bath


Uma MULHER de BATH havia em cena;
Mas era meio surda, o que era pena.
De bons tecidos era fabricante,
Chegando a superar Yprês e Gante.
Tirar-lhe alguém na igreja a precedência
No beijo da relíquia era imprudência,
Porque ela abandonava as boas maneiras
E perdia de vez as estribeiras.
Em sua vida digna e benfazeja
Cinco vezes casara-se na igreja —
Fora os casos de sua juventude
(Falar disso, porém seria rude).

A mulher de Bath é um dos Contos de Canterbury. Chaucer narra a história de vinte e nove peregrinos que saem de Londres rumo à cidade da Cantuária, a fim de visitar o túmulo de Tomás Beckett. Para que os peregrinos se distraiam e tornem a viagem mais amena, o Taberneiro sugere que cada um dos peregrinos conte duas histórias na ida e duas histórias na volta, e que a melhor história será por ele premiada com um lauto jantar. O conjunto dos peregrinos, que retrata num amplo painel da sociedade medieval, está composto por tipos variados, homens e mulheres de diferentes ofícios e originários dos diferentes extratos sociais. Participa deste grupo uma exuberante e alegre viúva. Alice conta a história de seus cinco maridos, das suas contendas com cada um deles e apresenta a sua receita infalível para um casamento feliz. As mulheres devem manter o comando da relação. Terminado o prólogo, conta-nos a sua história.

Era uma vez um jovem da corte do Rei Artur que caçava na floresta. Encontra uma donzela e num impulso violento arrebata-lhe a virgindade. O rei decide que o jovem deverá morrer decapitado. Dado o veredicto, a Rainha dá-lhe uma possiblididade de escapar com vida. Será poupado se for capaz de explicar a todos dentro de um ano e um dia o que é que as mulheres mais desejam.
O jovem não encontra nenhuma explicação satisfatória: para uns o que as mulheres mais desejam é casar, para outros, belas roupas e adornos, cortesia e adulação masculina, ou ainda o desejo de ser livres e fazer o que bem entenderem. O jovem desesperado, já no caminho de volta, teme pela sua vida.
Encontra na floresta uma velha que oferece a sua ajuda e sabedoria. Em troca ele deverá realizar-lhe um desejo. Sussurra-lhe a resposta em segredo e ele parte ao encontro da Rainha. Majestade, o que as mulheres mais ambicionam é mandar no marido, ou dominar o amante, impondo ao homem a sua sujeição. Vossa Majestade agora pode fazer comigo o que quiser: estou a seu dispor.
O jovem é absolvido pela Rainha. Neste momento a velha entra em cena e pede à rainha que seja feita justiça. Quer que o rapaz se case com ela. A Rainha e o rapaz concordam. O jovem chora sua desgraça e parte com a velha. E ela, no entanto, faz com que ele pense nos valores verdadeiros e na superficialidade das aparências. Pergunta-lhe o que ele prefere: que ela seja uma mulher feia e velha, mas submissa e fiel ou que ela seja jovem e atraente, mas que receba visitas em sua casa. O jovem resignado diz que confia na sabedoria da velha e que, certamente, ela poderá escolher o melhor para eles. Se ela pode escolher, ele concorda que é ela quem deve mandar? O jovem concorda. Então a velha beija-o e transforma-se numa jovem deslumbrante. Garante-lhe também que nunca usará da prerrogativa de lhe ser infiel.

quinta-feira, abril 3

O Monstro

O jovem Adso foi encarregado pelo seu abade de acabar com a teimosia dos camponeses. Recusam-se a ceifar o trigo por causa dos monstros verdes que nasceram na planície. Bem tentou o piedoso Adso lembrar-lhes as escrituras, ensinar-lhes que o diabo sempre veste de vermelho, convencê-los de que nada havia que temer. Dois dias depois o abade envia o despenseiro, homem prático mais habilitado para falar com gente simples. O despenseiro caminha para um dos monstros armado com a sua enorme faca de cozinha. Corta-lhe o pescoço de um só golpe. Dirige-se em seguida à aldeia com o monstro esquartejado debaixo do braço, enquanto lhe come as entranhas vermelhas e lhe cospe os dentes. Compreendem agora que não há nada a temer? Os aldeões fogem aterrorizados daquele novo monstro manchado de sangue, até que uma pedrada na cabeça o derruba. Minutos depois pouco resta do homem que comeu o monstro e como tal só podia ser também um monstro, esquartejado em tantos pedaços quanto as fatias em que tinha dividido a melancia.
Perante a confusão do Abade, Adso atreve-se a sugerir-lhe que chame o seu antigo mestre, um frade franciscano bem conhecido pela sua codícia. Frei Guilherme pede a hospitalidade do chefe da aldeia. Também ele partilha do temor pelos monstros. Roga a todos os camponeses que o acompanhem numa prece ao Senhor para que os alivie daquele tormento. Todos os dias repetia a oração e cada dia a faziam um pouco mais próximo dos monstros. Criou assim as condições para que os pobres aldeões aprendessem por eles próprios aquilo que ninguém lhes podia ensinar. Ensinou-os depois a semear melancias, cuja frescura lhes passou a mitigar a sede durante a ceifa.

sexta-feira, dezembro 21

Mulheres: um conto científico (epílogo)

Nesse outono estava a dançar numa festa da universidade com a irmã de um estudante de doutoramento quando me lembrei da Pam. Que tal se fossemos a um bar? Será que a lição do John também funcionava com um jovem de boas familias? Enchi-me de coragem e perguntei: olha, antes que eu te compre esta bebida. Vais dormir comigo esta noite? Ela respondeu que sim.
Nunca mais voltei a usar as lições do John. Não me dava prazer fazer as coisas daquela maneira. Mas não deixou de ser interessante saber que funcionava.

Mulheres: um conto científico (2)

Passei o dia a mentalizar-me: a miúda só quer a comissão das bebidas. Não tenho obrigação nenhuma de ser simpático ou comportar-me como um cavalheiro! Essa noite a Tamara acenou-me e apontou para a Pam. Sorri à moça mas não saí da minha mesa. Ela acabou por aparecer. Não lhe paguei a bebida. Foi-se embora. Via-a a dançar com um tenente da força aérea bem parecido. Olhava para mim enquanto dançava. Tentava fazer-me ciúmes. Ignorei-a. Começava a duvidar que a estratégia funcionasse.
Depois do show ela foi buscar o casaco e atirou a frase. Está-me a apetecer dar um passeio, alguém quer vir? Não podia ignorá-la sempre. Ofereci-me para a acompanhar. Sem demonstrar entusiasmo. Sempre era a primeira vez que saía do bar acompanhado. O tenente tinha desaparecido.Estava a fazer progressos. Fomos beber um café. Ela encomendou umas sandes mas tinha-se esquecido da carteira. Eu paguei-as. Estavamos quase a chegar à porta do hotel. Desculpa, gostava muito que subisses para beber outro café mas combinei com o tenente... Não a deixei acabar a frase: és pior do que uma puta!
O quê?!
Paguei as sandes e o que é que recebo em troca? Nada!!!
Eu devolvo-te o dinheiro!
Ok, devolve lá.
Apanhei-a no bluff. Surpreendida, lá descobriu a carteira e tirou uns trocos. Voltei para o night cub e fiz o relatório ao John: falhei, mas tentei recuperar...
Não te preocupes. Vais dormir com ela esta noite.
Mas ela está a comer o tenente!
Não te preocupes...
Duas horas depois, ajudava eu o John a fechar o bar quando apareceu a Pam.
Agarrou-me o braço e levou-me de volta para o hotel.

quinta-feira, dezembro 20

Mulheres: um conto científico

Eu ia àquele night club muitas vezes. A Tamara apresentava-me sempre a uma das dançarinas. Ela sentava-se na minha mesa, eu pedia umas bebidas e falavamos. Ela ia fazer o show e depois voltava. Os homens das mesas em volta invejavam-me. Depois ela dizia qualquer coisa do tipo: gostava que viesses ao meu quarto esta noite mas ... talvez amanhã.
Uma noite a Tamara apresentou-me a Gloria. Quando ela se levantava da mesa por qualquer razão acabava sempre por trocar umas palavras ou uns olhares com o mestre de cerimónias. Tratava-se de uma cumplicidade calma, não de um engate. Resolvi arriscar. Da vez seguinte que a Gloria se levantou passei pelo mestre de cerimónias e atirei: a sua mulher é muito simpática. Acertei. Ele achou que ela me tinha dito. Ficamos na conversa. Quando ela voltou, achou que ele me tinha dito. Depois do cabaret fechar fui até casa deles e assim nasceu uma bela amizade. Acabei por lhes perguntar porque é que a Tamara era tão simpática e me apresentava todas aquelas moças. A Gloria explicou-me: pouco antes da Tamara me apresentar a ti, disse-me: agora vou-te apresentar ao maior mãos largas cá do bar. Parece que tu da primeira vez que cá vieste pagaste uma rodada de champagne a toda a gente. Então era isso!
Confessei que andava meio frustrado. Como era possível que um tipo esperto como eu nunca tinha conseguido levar uma moça para a cama, quando tantos outros, que tratavam as moças abaixo de cão, o faziam sem qualquer dificuldade?

O John ficou de me dar uns conselhos. O problema fundamental é o seguinte: tu queres ser um cavalheiro simpático. Enquanto te comportares dessa forma, ela sabe como lidar contigo, conduz-te onde ela quiser. Como tal

1. Não te podes comportar como um cavalheiro em nenhuma circunstância.
2. Deves desrespeitar as moças.
3. Não lhes vais pagar NADA. Nem sequer um maço de cigarros até lhe perguntares se ela dorme contigo, ela responder que sim, e tu ficares absolutamente convencido que ela fala verdade.

uuhhhhh, isso pergunta-se?

quarta-feira, janeiro 4

Caridade: um conto científico

Luís Rodriguez acordou bem cedo naquela manhã de segunda feira. A aula estava preparada, a roupa escolhida de véspera. Comeu à pressa. Não estava atrasado mas era como se o tempo lhe faltasse. O seminário do Mawhinsky acabava ao meio dia. Depois havia cinco minutos de perguntas e respostas e iam todos almoçar. Ele acabava a teórica de Equações Diferenciais à mesma hora. Tinha de atravessar o campus à pressa para conseguir uma lugar na mesa do conferencista. De preferência bem perto. Era uma manobra delicada.
Ele estava no EQUADIF o ano passado, mas passou a hora a fazer contas. Nem levantou a cabeça enquanto eu dava o meu seminário. Não se lembra de mim, de certeza. Ainda por cima, nem vou ao seminário dele...
Rodriguez tinha completado a sua tese dois anos atrás. A passagem a Professor definitivo costumava ser uma formalidade mas as coisas estão a mudar rapidamente. E o Luís era demasiado orgulhoso e perfeccionista. Quatro artigos, um deles no Journal of Differential Equations era o mínimo para que ele pudesse andar de cabeça levantada. Uma meta ambiciosa, mas o Luís não fazia as coisas por menos. Já tinha dois aceites. Fazer mais dois a tempo não seria difícil. O problema era fazer um suficientemente bom para o JDF. Tinha uma boa ideia mas há três meses que não conseguia avançar. Uma conversa de dois minutos com o Mawhinsky podia ajudar a desbloquear o problema.
Quando a aula acabou a Matilde barrou-lhe o caminho para a porta. Não tinha percebido a terceira passagem da segunda demonstração. Até era agradavel ter uma aluna que prestava atenção à aulas. Mas naquele dia! Não teve coragem de a despachar.
Ficou sózinho noutra mesa, a ouvir as conversas. Quando se convida um colega para dar uma conferência, esta é mais um pretexto para justificar a viagem do que outra coisa. O importante são as discussões nos gabinetes e durante o almoço. E ali estavam os colegas dele a gastar o tempo do Mawhinsky com graçolas e trivialidades. No fim combinaram ir tomar café do outro lado da rua. Por timidez ou orgulho, o Luís nem tentou arranjar maneira de se fazer convidar para os acompanhar. Quando tentava engolir a sua frustração juntamente com os ultimos pedaços do arroz de pato, sentiu uma mão gorda e pesada no cachaço. Helloouh Rodriguezz! That trick you performed with the Hamiltonian at EQUADIFF was very funny indeed! AhAhAhAh. Join us for a coffeeeh?
(continua)