sexta-feira, maio 1

Brunello

Depois de outro troço de estrada, ouvimos ruídos, e numa curva aparece um grupo agitado de monges e servos. Um deles veio ao nosso encontro com grande urbanidade:
- Bem-vindo senhor, e não vos admireis se imagino quem sois, porque fomos advertidos da vossa visita. Eu sou o despenseiro. E se vós sois, como creio, frei Guilherme de Baskerville, o abade deve ser avisado.
Tu, sobe a avisar que o nosso visitante está prestes a entrar a cerca!

- Agradeço-vos, senhor despenseiro - respondeu cordialmente o meu mestre - e tanto mais aprecio a cortesia quanto para em saudar haveis interrompido a perseguição. Mas não temais, o cavalo passou por aqui e dirigiu-se para o carreiro da direita. Não poderá ir muito longe, porque chegando ao depósito de estrume terá de parar. É demasiado inteligente para se lançar pelo terreno íngreme.

- Quando o haveis visto? - perguntou o despenseiro.

- Não o vimos de modo algum, mas se procurais Brunello, o animal não pode estar senão onde eu disse.

O despenseiro hesitou, fitou Guilherme, depois o caminho e perguntou:
- Brunello, como sabeis?

- Vamos - disse Guilherme - é evidente que andais à procura de Brunello, o cavalo preferido do Abade,o melhor galopador da vossa estrebaria, de pelo negro, cinco pés de altura, cauda majestosa, casco pequeno e redondo mas de galope bem regular; cabeça miúda, orelhas finas mas olhos grandes. Foi para a direita, digo-vos, e apressai-vos, em todo o caso.

O despenseiro teve um momento de hesitação, depois fez um sinal aos seus e lançou-se pelo caminho da direita, enquanto os nossos machos continuavam a subir. Quando estava para interrogar Guilherme, porque me roía a curiosidade, ele fez-me sinal para esperar: e, de facto, poucos minutos depois ouvimos gritos de júbilo, e na curva do caminho reapareceram os monges e servos trazendo o cavalo pelo freio. Passaram ao nosso lado, continuando a olhar-nos algo atónitos, e precederam-nos em direcção à abadia. Creio mesmo que Guilherme afrouxava o passo à sua mula para lhes permitir contar o que tinha sucedido.

- E agora dizei-me - por fim não soube conter-me - como fizeste para saber?

- Meu bom Adso - disse o mestre. - Em toda a viagem te tenho ensinado a reconhecer os traços com que o mundo nos fala como um grande livro. Quase me envergonho de te dizer aquilo que deverias saber. No trívio, sobre a neve ainda fresca, desenhavam-se com muita clareza as pegadas dos cascos de um cavalo que apontava para um carreiro à nossa esquerda. A bela e igual distância uns dos outros aqueles sinais diziam que o casco era pequeno e redondo e o galope de grande regularidade... de modo que daí deduzi a natureza do cavalo e o facto de ele não correr desordenadamente como faz um animal irritado. Ali, onde os pinheiros formavam como que um tecto natural, alguns ramos tinham sido quebrados de fresco justamente à altura de cinco pés. Um dos silvados de amoras, por onde o animal deve ter andado para meter pelo caminho à direita, conservava ainda entre os espinhos belas crinas negras...

- Sim - disse -, mas a cabeça pequena, as orelhas aguçadas, os olhos grandes...

- Não sei se os tem mas decerto os monges o crêem firmemente. Dizia Isidoro de Sevilha que a beleza de uma animal tal exige. Se o cavalo não fosse o melhor da estrebaria, não se explicava porque a persegui-lo não foram só os moços, mas se incomodou o próprio despenseiro. E um monge que considera um cavalo excelente não pode deixar de o ver como as auctoritates lho descreveram, especialmente se - e aqui sorriu com malícia - é um douto beneditino...

- Está bem - disse - mas porquê Brunello?

- Que o Espírito Santo te ponha miolos na cabeça, meu filho! Que outro nome lhe terias dado se o grande Buridano, que vai ser reitor em Paris, tendo de falar de um cavalo, não encontrou nome mais natural?

1 comentário:

Hugo disse...

Já que as discuss\oes neste blog são sempre muito interessantes, proponha uma outra (peço desculpa pela publicidade, mas quero mesmo discutir este assunto) aqui:

http://dottoratoamilano.blogs.sapo.pt/122441.html