quarta-feira, junho 29

O Anti-Zen

(Se) O Zen é: viver (n)o momento...

Vivemos num mundo anti-Zen. Nunca nos é permitida a concentração. Nunca nos é permitido o vazio. Tarefas para hoje: Tenho exames para corrigir, tenho exames para preparar, tenho que marcar as férias, tenho que comprar o selo do carro, tenho que ver se está na altura da inspecção, tenho que comprar o passe, tenho que ir ao dentista, tenho reunião de condomínio, tenho que ...tenho que...tenho que.... a vossa lista, é muito diferente? Se inclui rebentos, que Deus vos guarde...

No metro, para além da barulheira dos ecrans televisivos há uma voz feminina que anuncia a cada cinco minutos: "é proibido fumar nas instalações do metopolitano de Lisboa". Curioso. Eu nunca tinha visto ninguem a fazê-lo. Será preciso avisar as hordas invisíveis de fumadores subterrâneos a cada 5 minutos? Será que é essa voz incorpórea que nos salva de sermos asfixiados pelas multidões de chain-smokers em fúria? Ou estará lá para nos salvar, isso sim, do perturbador silêncio? O silêncio, essa besta que induz o pensamento, porque a mente abomina o vazio...

Sera isto um acidente? ou será que os capatazes finalmente decidiram que é preciso negar às massas todo e qualquer tipo de pensamento para se manterem no poleiro? Será isto uma escalada da violência, da desinformação, da interferência no canal, do aumento do quociente ruído/sinal, uma tentativa de lobotomia audio-visual colectiva?

Defendamo-nos, camaradas, daqueles que pretendem subverter os nossos preciosos processos mentais! Às armas, às barricadas, o povo unido jamais...hâ? Ah, hum, ok, voltamos a falar disso depois, está na hora de passear o cão, pôr os putos na cama, lavar a louça, eu compreendo...adiemos a revolução para um horário mais conveniente...podes na Terça?

8 comentários:

Anónimo disse...

It would be much nicer if we did not have to work.

António Araújo disse...

Trabalhar é um mal inevitável...mas ha outras coisas que são evitáveis. A algumas submetêmo-nos por erro nosso. A outras somos submetidos....porquê?

That is my point.

PS: Prometo que no proximo post já não falo do metro :)

Anónimo disse...

Pois é, aquele ruído constante no metro é horrível, mais as imagens frenéticas que nos invadem os olhos. Habitualmente olho para baixo, para os carris, imagino-lhes antecipadamente um ruído mais adequado ao local. Muitas vezes penso: que dirão as pessoas ao meu lado sobre tudo isto? É que estamos todos tão quietos e calados... Tento adivinhar-lhes os pensamentos mas não vejo vislumbre de nada nos seus rostos. Apenas cansaços, só não sei se são também cansaços do interior da terra e dos ruídos que por lá se impõem.

Broken M disse...

o metro não é assim tão mau.
Desde que vai até à minha casa, consegui diminuir o meu tempo de percurso diário para a metade e o número de livros que leio para o dobro. :)
Mas de facto o stress tem sido de mais e também o ruído. De uma maneira que hoje em dia, grande parte das pessoas começam a ficar nervosas se estiverem num local silencioso.
Começou a haver um medo enorme de ouvir a nossa voz interior e por isso cada vez mais as pessoas enchem-se de sons à volta para não ter que se concentrar em si próprios.
Há um certo medo em fazer isso...Quantas pessoas se interrogam sobre aquilo que são para além do mundo que as rodeia?

Anónimo disse...

Essa é que é essa, Madi! Quantas? Na minha opinião, muito poucas. É por isso que o Mundo está como está... :)

Anónimo disse...

OmwO: Que alívio! A parte do metro já estava a deixar-me intrigada... "Será revisor?", pensei. :) Não sei porquê, mas vivo com essa mesma sensação. Mesmo as revoluções que todos queremos, uns com maior, outros com menor consciência da sua importância, são adiadas "ad eternum", devido à má gestão das prioridades. Na Terça, não vai dar. Vem alguém cá a casa, para uma demonstração com um aspirador qualquer. :)))

Anónimo disse...

Caro A.,

Havera já este teu criado sobrevoado tal temática aqui.
O problema nem é a papa pré-digerida visual, o problema é o vómito sonoro. Do qual não nos podemos alhear. Pois que o Metro tem altifalantes por tudo quanto é sítio.

Já me ocorreu, num acesso de loucura, vandalizar os projectores, uma pedra na lente, e zás. Fim da merda visual. Mas a sonora continua lá.

A escuta da música é uma coisa activa, não é uma pose de ovídeo engordado a hormonas, como a canalha gananciosa nos quer impingir. A música só existe em relação com o silêncio.

Termino com uma breve citação do Pascal Quignard de que falas acima, no recomendável, "La Haine de la Musique".

"O fascismo está ligado ao altifalante. Ele multiplica-se com a ajuda da "radio-fonia''. Depois foi transmitido pela "tele-visão''.

Ao longo do séc. XX uma lógica historial, fascista, industrial, eléctrica --- qualquer que seja o epíteto que se tome --- muniu-se
de sons ameaçadores. A música, pela multiplicação, não do seu uso (o seu uso rarefez-se) mas da sua reprodução, como da sua audiência, cruzou a fronteira que que a opunha ao ruído. Na cidade a difusão de melodias gerou reacções de fobia, degenerando de forma heróica em mortes à carabina."

António Araújo disse...

Olá "perusio" :)

(O Appa (www.perusio.com) introduziu-me, long time ago, ao Pascal Quignard através do magnífico "Le Sexe et l'Effroi". A citação é do "Les Ombres errantes", embora talvez também esteja no "La Haine de la Musique" onde calhava muito bem...)

Sim, já tinhamos discutido isto em tempos, e eu concordo com o teu artigo: o som é o pior, de facto, daí ter também referido o "nosso amigo" Pascal Q., mas (e tu sabes como isso me perturba especialmente) o aspecto visual não pode ser esquecido, nem o aspecto da mera intrusão e force-feeding de "informação" - o aspecto "anti-anacorético" em torno do qual anda o meu post . É que é fácil dizer "se não gostas não olhes", mas mais díficl é fazer. Há um motivo muito "bom" para se usar imagens em movimento em grandes ecrans como veículo publicitario. É que a nossa visão periférica foi feita para detectar movimento, e mais, para nos alertar intensamente para a sua existência. Antigamente era o que nos permitia reparar num predador que se aproximava, e por isso temos uma tendência animal para pelo menos olhar na direcção de algo que se mova nos extremos do nosso campo de visão. No meio da cidade não é grande problema, mas no ambiente do metro, que é essencialmente estático, é díficl não olhar. Requer uma força de vontade semelhante à necessária para controlar o reflexo do vómito, o que aliás é uma comparação adequada em mais do que um sentido :)

Além disso o cérebro abomina o vazio, e num ambiente parado como o metro, devora o que quer que lhe ofereçam ( só começando a "criar" quando não pode receber informação fácil ). É por isso que as massas se juntam em torno dos ecrans. Estão ávidos de informação e encaminham-se para lá naturalmente. Os ares tristes decorrem do facto de que a tal "informação" é afinal desprovida de conteudo.

Ha por ai um artigo qualquer também sobre este assunto em que se falava das pessoas que reclamaram contra os ecrans. Eram, reparei, essencialmente pessoas algo criativas. Espcialmente musicos, que apreciavam o silencio, mas também pessoas de outras áreas mas que sabem que para criar seja o que fôr é preciso fechar de vez em quando a torrente de lixo com que nos inundam. É preciso fechar o cérebro em si mesmo para que ele perca a preguiça de criar. Daí o meu post andar em volta da noção de anacorése, efectiva ou fictícia, prolongada ou momentânea. É preciso proteger os enclaves de silêncio auditivo *e* visual que ainda nos restam...

A.