sábado, setembro 18

60 e quantos?

Os franceses foram para a rua protestar porque querem continuar a reformar-se aos 60. 62 não lhes parece aceitável. Curiosamente muitos dos meus colegas franceses agonizam perante a ideia da reforma compulsiva aos 65. Com ela se vai a vã glória de mandar, talvez a sua identidade e outras coisas mais importantes.Mesmo para chegar lá é preciso ser prof de class exceptionelle e sei lá mais o quê.
O José Luís Sarmento concorda com os protestos franceses os aumentos de produtividade são suficientes para pagar esse ócio.
O problema é complexo. Limito-me a alinhavar umas ideias:

1. É verdade que a produtividade aumentou, mas nós também passámos a consumir muito mais. E a maior parte de nós não quer consumir menos.
2. A riqueza de um país não é um dado adquirido para sempre. Se os alemães trabalharem mais cinco anos do que os franceses, vão crescer mais. Os franceses não vão ficar onde estão: vão regredir, porque vão ser menos competitivos. E depois há os chineses.
3. A ideia de por a trabalhar todos a trabalhar até aos 67 é em grande parte utópica. Mesmo que a pessoa reúna condições físicas mínimas, não é garantido que ainda faça o trabalho tão bem quanto alguém mais jovem. Não se pode obrigar um professor do Ensino Secundário a aturar as criancinhas até aos 67. Brevemente, o mesmo se aplicará ao Ensino Superior. Pelas mesmas razões.
4. Estamos perante uma luta de gerações. São os nossos filhos que vão pagar as nossas reformas, algo que os nossos netos não vão fazer por eles. Os nossos filhos já estão a ser suficientemente penalizados pela crise actual.

O que é que vai acontecer?
O conceito de idade da reforma vai cair. Como já acontece hoje em dia, cada um de nós vai reformar-se quando quer, recebendo em função das contribuições que fez.
Não vamos poder ficar num emprego pelo tempo que quisermos. Vai ser preciso fazer testes caso lá queiramos continuar, como para a renovação da carta de condução.
Lá por uma pessoa largar a sua actividade principal, não quer dizer que pare de trabalhar. Pode continuar a desempenhar outras funções, eventualmente a tempo parcial.

Sempre pensei ficar a trabalhar até aos setenta. Sempre foi esse o limite na universidade. Agora já não tenho a certeza, não sei se vou ter pachorra para aturar as nossas chatices que inventam todos os dias. Por outro lado, se quiser mudar para outro actividade (bruxo ou algo assim) talvez convenha fazê-lo um pouco mais cedo.

12 comentários:

António Araújo disse...

O problema é que eles têm medo que aos 62 já estarão velhos para escrever o bestseller e correr atrás de miudas. Agora, aos 60....

on disse...

Crueldades de um jovem...

Cuidado, deixamos de ser jovens de uma ano para o outro.
O envelhecimento está muito longe de ser um processo contínuo...

António Araújo disse...

Eu sei disso muito bem, foi por isso que não deixei umas tantas coisas para "mais tarde". Deixei outras tantas, porque não tive os meios para o evitar, e para algumas delas já é demasiado tarde. Mas se acabasse hoje, não posso dizer que foi excelente, mas já foi razoável...

A questão é que eu prefiro estar a trabalhar aos 62 (se ainda conseguir) do que ter passado os 20 a trabalhar! Para o provar, estou disposto a receber o ordenado até aos 80 para fazer só o que me apetecer, e em troca depois dos 80 faço tudo o que me mandarem durante o tempo que quiserem ;)

António Araújo disse...

Clarificando: por "trabalhar" não me refiro a exercer esforço numa actividade. Refiro-me a "fazer o que te mandam porque tem que ser". Se te esforças numa tarefa, seja qual for, por um interessa que não o da necessidade material, não estou neste contexto a chamar isso de trabalho. "Trabalho" neste contexto é aquilo que não farias se fosses rico. Da mesma forma quando elogio o ócio não me refiro obviamente apenas ao acto de ficar a pastar na praia.

on disse...

Há uma série de coisas que eu provavelmente não faria se fosse rico. Ficaria mais pobre por não as fazer. Mas podia fazer outras, igualmente interessantes? Talvez.

Essa definição de trabalho é relevante, mas não sei se a quero adoptar.

Ter coisas que nos lixam a vida não é totalmente negativo (ver o post acima). Talvez faça sentido dizer "antes pelo contrário".

Morte inclusivê.

António Araújo disse...

Bom, leva o argumento mais longe:

Porque é que um escravo não poderia dizer:

Há uma série de coisas que eu provavelmente não faria se não fosse um escravo. Ficaria mais pobre por não as fazer. Mas podia fazer outras, igualmente interessantes? Talvez.

Era um argumento comum, aliás: o que é que aqueles tipos iam fazer com a liberdade? Iam andar perdidos, sem saber o que fazer com o tempo. Eu cá adoro o tempo que uso para fazer burocracias ou servir as fantasias do dept de educação. Se não fosse isso andava a perder tempo a trabalhar nos meus projectos que estão à espera hà anos e que provavelmente nunca vou realizar. E adoro o facto de que a cada momento não sei se mesmo o que possuo não me pode ser arrancado por uma mudança de regras, um deslize meu, ou um soluço da economia. Ter que fazer contas antes de ir ao dentista, calcular a probabilidade de acabar a pedir na rua, evita que nos sintamos aborrecidos. Era uma chatice, ser rico. Os ricos que eu conheço sofrem muito.

Quanto à morte e à doença, são outra benção escondida? Se sim, estaríamos ainda melhor se tivessemos todos sífilis e uma espectativa de vida de 35 anos? Sabes que geneticamente eu acho que tenho uma alta probabilidade de morrer dolorosamente antes da tal idade da reforma dos franceses, por isso sinto uma certa dificuldade em levar isto a sério.

Ou estas dificuldades são boas, sim, mas apenas no grau exacto em que as temos? Não achas muita sorte que as coisas ocorram exactamente no grau exacto, então?

Isto parece-me uma perspectiva Panglossiana. Não me cativa. Serve essencialmente as necessidades da estabilidade social. Falas da crueldade dos jovens, já pensaste na natureza das crueldades dos anciãos? Como eu já não sou um jovem e tu ainda não és um ancião, ainda podemos enunciar ambas sem demasiados pudores :)

Os jovens têm como interesse principal fazer uso dos seus corpos antes que definhem. Podem sempre trabalhar mais tarde. Não creio que algo seja mais urgente do que aproveitar como suinos o seu vasto potencial sexual e físico: a pura glória do corpo. Os ancião têm como interesse convencer os jovens do contrário para que sirvam as necessidades da estabilidade social e do conforto dos anciãos. Os jovens poderiam, em ultimo caso, amar e pilhar enquanto tivessem força. Isso é moralmente errado apenas porque os ancião ensinam que assim é. :)

on disse...

Nunca acreditei nisso.
Os jovens que depois não se queixem, se a coisa correr mal...
Não estou a pregar, nem sequer para os peixinhos. Há princípios que não não são razoaveis de propor a quem quer que seja, mas que faz sentido impor a nós próprios.

on disse...

PS: Eu não estou a discutir o que é bom pros jovens, enquanto jovens. Estou a discutir como é que um país se pode manter competitivo. Quem está a pagar o preço de o país ter perdido competitividade neste momento são precisamente os jovens. E deste ponto de vista, tu já não és um. Sorte a tua.

António Araújo disse...

Sorte minha, e ainda assim eu preferia ainda ser jovem :))...

António Araújo disse...

> Eu não estou a discutir o que é bom >pros jovens, enquanto jovens. Estou >a discutir como é que um país se <pode manter competitivo

No post estavas, e não discordo de nada. Mas eu estava a responder ao teu segundo comentário, e aí já estávamos noutro campo. Que me digas que há coisas que temos que aceitar, está tudo bem. Mas começar a acreditar que isso é uma vantagem escondida ("morte inclusive"??) , isso é entrar em fantasias anestésicas , que não me parece terem nada que ver com o teu post.

on disse...

Temos que aprender a lidar e de alguma forma aceitar tudo o que a vida nos dá, até a morte. Não devemos sequer recusar algo muito ténue que possa existir depois.
A juventude tens umas coisas óptimas e conheço poucas pessoas que tenham gasto tanto tempo dinheiro e latim como eu a tentar preservá-la.
Mas para além dela e dos netinhos há outras coisas bestialmente emocionantes a fazer com a nosso corpo e a nossa mente. Talvez até muitissimo mais interessantes.

António Araújo disse...

>Mas para além dela e dos netinhos há >outras coisas bestialmente corpo e a nossa mente.

Concordo em absoluto. Mas essas outras coisas também são mais fáceis de aproveitar se formos ricos, livres, e saudáveis. (O facto de haver gente rica que sofre muito da cabeça porque é burra não muda isso. O facto de haver gente sem projectos pessoais e que portanto precisa de ser empurrada a vida toda também não muda isso)

>Temos que aprender a lidar e de >alguma forma aceitar tudo o que a >vida nos dá, até a morte.

Também concordo. Mas há varias formas de aprender a lidar com as coisas. Uma delas é a fantasia de que tudo é secretamente justificado e bom, ou até a fantasia de que há nao sei o quê depois da morte. A outra forma é aceitar que ha coisas boas e outras muitíssimo más e que temos que aguentar-nos também com as más sem as negar, e que não ser financeiramente livre é uma delas, e que a morte é seguramente uma delas, e que temos que evitá-la enquanto podemos e aguentar-nos quando ela vier, e que não sabemos se há algo depois, e não é provável que haja, e é com esses factos e essas probabilidades que temos que aprender a viver. Eu prefiro a segunda forma. Claro que cada um faz o que quiser, eu só estou a dizer o que eu prefiro, é uma questão pessoal. Pessoalmente vivo bem sem esperança no futuro distante nem no sentido secreto das coisas.