quarta-feira, novembro 18

Contra os cemitérios

Andam por aí uns desavergonhados que querem destruir a civilização ocidental. Onde é que já se viu pegar num terreno baldio, colocar uns muros à volta e começar a enterrar lá os filhos da terra? Não sabem esses velhacos que ainda há meia dúzia de anos andavam por Dover a embebedar-se pelas tabernas o que é o solo sagrado? Doenças? Enterrar os nossos pais e avós na santa igreja onde vamos orar todos os domingos provoca doenças? Só servos de Belzebu podiam inventar tamanho disparate! Sempre assim se fez e sempre assim se fará! Se eu não lutar para enterrar os meus antepassados perto de Deus, quem irá lutar por mim?
Esta oposição ao Novo está bem ridicularizada n'As Pupilas do Sr. Reitor, um dos poucos livros que uma menina de boas familias podia ler nos anos sessenta, tempos em que o caracter subversivo de muitas obras de Eça ainda permanecia intacto. A luta do liberalismo pela saude pública vem-me sempre à cabeça quando se discute o casamento dos homossexuais, algo à partida bem menos controverso do que por exemplo a questão do aborto. Trata-se tão só do horror ao Novo. É por isso que poucos são aqueles que se são capazes de assumir contra, escondendo-se atrás do pedido do referendo. Se este é um assunto tão secundário como eles dizem, vale a pena gastar o nosso tempo e o nosso dinheiro na realização do tal referendo?
Bem melhor seria este mundo sem estes empata fodas? Talvez não. Afinal, como é que se constroi um braço robotico de alta precisão? Para fazer um buraco para um parafuso com precisão micromilimétrica, temos de criar uma tensão: uma força que empurra para a direita e outra para a esquerda, uma para cima, outra para baixo, uma para a frente, outra para trás. Só esta oposição de forças, de musculos agonistas e antagonistas, permite a um atirador acertar na mouche. Aquilo que parece ser apenas um desperdício de energia, é muito mais do que isso. Sem a Doutora Ferreira Leite, eu e os da minha laia acabavamos por escavacar isto tudo.
Dito isto, se não se lutar com toda a energia contra os imbecis que por aí andam, expondo-os ao ridiculo antes e depois da passagem da lei, não vamos a lado nenhum.
Mas sempre com muita compaixão.

20 comentários:

Sofia disse...

Assim, não há espontaneidade nos comentários...

Hugo Tavares disse...

Um dos melhores textos que já li por aqui, talvez porque seja daqueles casos raros em que concordo com tudo do princípio ou fim. Ou isso ou é da expressão "empata fodas", que adoro.

on disse...

Acho que a tal expressão é parcialmente inspirada num post teu...

on disse...

Entretanto uma nova geração de conservadores descobriu que os cemitérios eram muito mais interessantes do que as igrejas. Além de lá poderem enterrar os mortos, podiam construir jazigos, estátuas, colocar flores nas campas...
Os cemitérios passaram rapidamente a ser terra sagrada. Proibiu-se alguém de lá ser enterrado, para voltar a ser um clube privado (os suicidas).

Tudo está bem quando acaba bem!

Anónimo disse...

Isto esta um bocado simplificado. A nao ser que estejas a referir-te a detalhes do debate tuga que te irritam, do qual estou prazenteiramente mal informado. Em geral, eu diria que ha muitas razoes para argumentar a favor ou contra o casamento homosexual. Pessoalmene, decidam o que decidirem por mim esta ok neste assunto, porque ha coisas mais importantes no meu radar. Mas uma coisa eu acho: se és a favor do casamento homosexual entao nao vejo porque nao és a favor do casamento bigamo (e trigamo, e n-gamo, para ambos os lados). Ou entao és a favor, e és fixe :D. Mas nesse caso nao vejo poque nao vociferas ja contra os conservadores aberrantes que bloqueiam as necessidades sentimentais das pessoas poli-amorosas, cujos sentimentos estão a ser espezinhados (tá?). Pá, lá porque não choramos com facilidade nao quer dizer que nao tenhamos sentimentos. E um casamento n-gamo faz mais sentido para os contribuintes que o recompensariam, pois promete filharada nova para o sistema.

Em qualquer dos casos, eu teria reservas em relação a um casamento homosexual no mesmo molde legal e trbutário (e é so o que esta em causa, estou-me a lixar para os costumes a padralhada) que o casamento hetero, no mero sentido em que ha questoes de vantagens tributarias que farão sentido dada a possibilidade (mesmo sem a certeza) de reprodução mas nao sem ela. As leis favoraveis ao casamento nao foram feitas para motivar ou premiar o amor entre duas pessoas, que é um assunto pessoal, ou a sua feliciade sentimental (se calhar deviam, podemos discutir isso), mas apenas para estimular a concepção e consequente germinação de novos tributarios e força laboral. Ou se achas que nao é assim entao eu tambem quero uma lei que me ofereça tax breaks para eu ter o casamento à minha maneira (ja que todas serão igualmente validas desde que as pessoas "sintam"), o que, dependendo da epoca, podera implicar uma relação tributaria envolvendo mulheres alheias, pitas demasiado novas para mim e para o sentido geral de decoro, ou meramente um buffet variado e irregular que insistirei seja denominado o meu agregado familiar. Ou vais discriminar contra mim só porque...sou diferente :~( ?

Pa, ter duvidas quanto ao casamento gay faz de mim um empata-fodas? Asseguro-te que nao tenho nada contra os gays, eu acho sempre fixe qualquer ideia de por a parte A dentro da parte B, em qualquer configuração, e nao so os gays mas os pederastas de todas as formas e feitios, as bichas malucas e os travecos maravilhosas têm um lugar cativo no meu universo. Mas essa historinha do casamento sempre foi uma coisa um bocado ranhosa mesmo entre heteros e entre gays então, é mesmo uma ideiazinha muito...paneleira :D

E nao achas estranha, neste pais de broncos que mal articulam uma ideia que ultrapasse os confins do estadio da luz, esta solidariedade geral da população em relação à ideia tao luminada do casamento gay? Será sincero ou uma vergonhazinha instituida pelos novos bem pensamentes? Ja que estamos a generalizar, então poderia dizer que em geral nao é mais que o balir das ovelhas do novo PC (o bronco de esquerda) que apoia cegamente qualquer ideia que soe a "bué a frente" com a mesma cegueira automatica dos papalvos da direita que se opoem a tudo o que cheire a novo.

Posição presente: sou a favor do casamento paneleiroide, mas sem tax breaks que sejam analogos aos que no caso hetero sejam devidos à possibilidade da femea engordar desmedidamente por erupção de parasitas interos. Posso admitir tax breaks que decorram de, e tenham inicio quando o casal gay adopte um pirralho que precise da atenção que os pirralhos precisam. Isso é um serviço a sociedade e merece um tax break. Não, não tenho medo que o pirralho cresça gay, sou a favor da multiplicação dos "pervertidos" de toda a espécie. Somos fixes, pá. :D

omwo

Anónimo disse...

Outra coisinha...és a favor tambem de vantagens fiscais para as relações extra-conjugais? É que sinceramente elas prestam um favor à sociedade. Para já, estabilizam os casamentos (é que sinceramente, já ninguem se suportava não fosse a galdéria do 3º esquerdo e o sacana do 2º dto com as suas visitinhas semanais), em segundo lugar motivam a felicidade sentimental, e em terceiro lugar levam à propagação da espécie (as femeas tendem a ficar polinizadas, mostram estudos academicos relevantissimos, pelo dashing lover por oposicao ao marido cinzentão). Assim sendo acho inaceitavel nao haver um enquadramento legal para a relação extra-marital. Só o pudor burgues o impede. O encornar leva a mais beneficios sociais do que o casamento gay, e merecia o seu lugar reconhecido na sociedade. So os conservadores e os empata-fodas é que se podem opor. E nao, eu nao estou a dar um contra-exemplo ironico e absurdo à tua tese, eu estou é mesmo a falar a serio :D

Sério.

omwo

Anónimo disse...

O OMWO é grande. Sério.

Sofia disse...

O anónimo anterior tem nome. Sou eu.

Anónimo disse...

O OMWO é grande. Sério.

Carlos Albuquerque disse...

OMWO

O casamento hetero não dá tax breaks. Paga-se para estar casado, sobretudo quando há filhos.

Anónimo disse...

CA, portanto os gays estao a pedinchar um papel inutil que lhes permita ter acesso a desvantagens?

omwo

Sofia: Size doesn't matter (they say)

Orlando disse...

Omwo,
claro que estou de acordo contigo no essencial. Afinal, tu és da minha laia...
Estás é mal informado: o casamento em Portugal não dá tax breaks. Algumas vezes as pessoas pagavam menos impostos divorciando-se.

Porque é que os gays se querem casar?

O Pacheco Pereira dizia outro dia: porque é que pessoas que escolhem um modo de vida alternativo estã o interessados em algo tão mainstream como o casamento.
O PP esqueceu que ninguém escolhe ser gay ou hetero. Ou não esqueceu, o que é bem mais grave.
Também ninguém escolhe ser conservador ou "progressista". Não há palavra para isto?
Os gays que mais problemas têm com o facto de terem nascido gays são os que nasceram conservadores. Para eles é essencial serem aceites. Para eles é muito importante que o casamento gay seja oficializado, mesmo que não se assumam como gays perante a maioria das pessoas que conhecem e nunca se venham a casar-se com o tipo que amam.
Se não lhe dermos algo que me parece trivial, eles vão ser um bocadinho mais disfuncionais e já há por aí disfuncionalidade que chegue.
Apoiar o casamento gay é uma acto de egoismo esclarecido.

Orlando disse...

Estou a "dar" algo aos gays?
Estou.
Sempre que se mudam as regras a pedido, estamos a dar algo a quem pediu a mudança. Ou estamos a ser forçados a dar algo. Isso dos direitos à priori é uma ficção.

Por outro lado, não sinto que esteja a dar ou a sacrificar o que quer que seja. Para mim faz mais sentido um mundo em que ninguém se meta na vida dos outros. O que é preciso justificar é porque é que actualmente não se podem estabelecer esse e outros contratos entre grupos de seres humanos dispostos a assiná-los de livre vontade.

Anónimo disse...

On,
ambos sabemos que eu em algumas coisas ando ha ja uns anos- deliberadamente - muito mal informado. Sendo que a minha premissa parece que estava errada, a tese não segue. Mas mantém-se a implicação: eu concordo que se possam casar, com a ressalva de que se mantenha o cuidado de não atribuir por causa disso benesses (presentes ou futuras) cuja motivação original não se aplique. E quanto às benesses tributarias, não são só os impostos, ha todo o tipo de vantagens por associação de bens num casamento - ou de trasmissão de bens - que eu teria que analisar com muito cuidado (coisa que não fiz e que nao estou interessado que chegue para fazer) antes de saber se não se passa algum problema do mesmo tipo. Por isso é que pus a questão na forma "se x, então y". Estou apenas a apontar que podem haver objecções que não têm nada que ver com ser empata-fodas ou conservador. Casamento gay? Tudo bem, mas depende de qual o tipo de casamento gay.

E como sabes, eu concordo em absoluto com a ideia de que o estado deve proibir o menos possível, e alias legislar o menos possivel, e que as pessoas devem poder celebrar entre si os contratos que bem entendam, na medida em que não interfiram com as liberdades dos outros. Por isso, e salvaguardadas as tais ressalvas...vão em frente meus caros e atem-se todos com o proverbial nó, vá lá nosso senhor saber porquê, pobres incautos! :D

Mas entretanto nada muda acerca do que referi nos outros pontos: para breve quero a minha licença de casamento bigamo, e a legitimação da minha contribuição para os casamentos alheios. Que um rapaz não anda aqui a trabalhar para aquecer, e os teus argumentos aplicam-se igualmente. :)

omwo

Sofia disse...

Exacto, OMWO.
They say a lot of things...

Ainda que a premissa estivesse errada, grande discurso. Grande. Aplaudi de pé. Sério.

E eu sou a favor da poligamia. Não é da Bi, é da Poli.

E qualquer dia este blog sofre um atentado.

on disse...

Correcção:
passou há uns anos na televisão a série "João Semana", uma excelente adaptação de Francisco Moita Flores do romance de Julio Dinis, As pupilas do senhor Reitor. Os elogios que fiz deveriam ser endereçados a Moita Flores, pois trata-se de uma adaptação livre.

Orlando disse...

Posta-se sobre cemitérios...
Tocou o telemovel. Vi quem era e logo percebi de que se tratava. Nem penso duas vezes, reorganizo a minha vida para fazer duas vezes cem quilometros: ida ao velório e ao enterro do dia a seguir. Em tempos que já lá vão teria pensado na desculpa que arranjaria para não ir.

Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Um dia vamos a um velório porque se torna impossivel não ir. Depois descobrimos como pode ser divertido: as anedotas que se contam cá fora, os antigos conhecidos que não víamos há tantos anos. Pois claro, quando não se trata de alguém que nos é próximo.

Pouco a pouco vamos lidando um pouco melhor com o negócio da morte, uma das aprendizagens mais inadiaveis das nossas vidas.

Os velórios não são inuteis, não se vai lá por causa dos mortos mas dos vivos. Há uns parentes que só se vêem nos enterros. Parece estúpido mas não é. São parentes e vamos lá nos dias dificeis. Podemos ficar cá fora a contar os anedotas mas a nossa presença significa alguma coisa. Muita coisa.

Encontrei a foto do anjo quando andava a pensar fazer um post ao estilo destas linhas. Aproveitei-o para outro fim. Achava eu.

remediado disse...

Sofia,
é a favor da polia...andria?
ou...

Sofia disse...

Sou a favor de tudo o que é poli.
Poligamia, poliandria, poliginia, poliglotismo, policia, politecnico, politica, polilon e polly pocket.

...

Por outro lado, o monopolio também me agrada...

Agora estou indecisa...

remediado disse...

Bem me parecia...