sexta-feira, abril 25

Da fragilidade das nossas ilusões

Roma continuou a ser Roma depois da queda de Roma. Quem tinha que aturar um imperador despótico passou a ter de hospedar em sua casa um dos lugares tenentes do último chefe barbaro que conquistou a cidade. Alguém tão belicoso e imprevisivel como alguns membros da família imperial, mas sem as suas boas maneiras. Fora isso nada tinha mudado, excepto que agora era mais dificil arranjar escravos. Até que um dia um desse barbaros resolveu destruir o aqueduto. Como ninguém teve a vontade e a capacidade de o reconstruir, todos os que o puderam fazer abandonaram a maior cidade da cristandade, que se transformou de um dia para o outro numa aldeia.
A nossa civilização é um pouco mais fragil do que parece. As nossas cidades e as nossas vidas estão organizadas como se o petroleo fosse um recurso inesgotavel. Algumas das medidas que têm sido tomadas para contrariar essa dependência têm efeitos colaterais que podiam ter sido antecipados. Veja-se por exemplo o caso da produção de biodiesel a partir de arroz, soja, trigo e milho, que nos trazem de volta o espectro da falta de alimentos. Pois é, há por aí muito rico que se tiver de escolher entre a sua gasolina e a comida do outro, prefere a sua gasolina. Alguém tem dúvidas sobre isso? A Constituição pode garantir tudo aquilo que nós quizermos, mas ninguém come a Constituição.
Pode-se discutir à vontade se o aquecimento global é a sério ou a brincar, mas só um louco pode usar esse debate para se tentar esquecer de que não podemos continuar a poluir o planeta impunemente.
Se queremos ter um mínimo de controle sobre o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos não podemos deixar que as instituições democraticas continuem a degradar-se, se é que ainda funcionam. Se a democracia formal não está em risco, o que é que existe para além da ilusão da escolha? A aprovação do tratado cá na terrinha sem consulta pública e, pior que isso, sem discussão, não é perigosa por pôr em risco a soberania nacional, que há muito deixou de existir. É perigosa porque as instituições europeias não estão a ser controladas pelos europeus. A democracia é cada vez mais uma ilusão.
A crise do PSD pode dar vontade de rir, mas não tem graça nenhuma. Num sistema em que pouco mais se pode fazer do que escolher entre dois partidos e usar os outros como depositários do voto de protesto, se um entra em coma ficamos nas mãos dos dirigentes do outro.
É por isso que o 25 de Abril não é mais um feriado para comemorar uma vez por ano.

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