sábado, janeiro 5

Caridade: um conto científico

Luís Rodriguez acordou bem cedo naquela manhã de segunda feira. A aula estava preparada, a roupa escolhida de véspera. Comeu à pressa. Não estava atrasado mas era como se o tempo lhe faltasse. O seminário do Mawhinsky acabava ao meio dia. Depois havia cinco minutos de perguntas e respostas e iam todos almoçar. Ele acabava a teórica de Equações Diferenciais à mesma hora. Tinha de atravessar o campus à pressa para conseguir uma lugar na mesa do conferencista. De preferência bem perto. Era uma manobra delicada.
Ele estava no EQUADIF o ano passado, mas passou a hora a fazer contas. Nem levantou a cabeça enquanto eu dava o meu seminário. Não se lembra de mim, de certeza. Ainda por cima, nem vou ao seminário dele...
Rodriguez tinha completado a sua tese dois anos atrás. A passagem a Professor definitivo costumava ser uma formalidade mas as coisas estão a mudar rapidamente. E o Luís era demasiado orgulhoso e perfeccionista. Quatro artigos, um deles no Journal of Differential Equations era o mínimo para que ele pudesse andar de cabeça levantada. Uma meta ambiciosa, mas o Luís não fazia as coisas por menos. Já tinha dois aceites. Fazer mais dois a tempo não seria difícil. O problema era fazer um suficientemente bom para o JDF. Tinha uma boa ideia mas há três meses que não conseguia avançar. Uma conversa de dois minutos com o Mawhinsky podia ajudar a desbloquear o problema.
Quando a aula acabou a Matilde barrou-lhe o caminho para a porta. Não tinha percebido a terceira passagem da segunda demonstração. Até era agradavel ter uma aluna que prestava atenção à aulas. Mas naquele dia! Não teve coragem de a despachar.
Ficou sózinho noutra mesa, a ouvir as conversas. Quando se convida um colega para dar uma conferência, esta é mais um pretexto para justificar a viagem do que outra coisa. O importante são as discussões nos gabinetes e durante o almoço. E ali estavam os colegas dele a gastar o tempo do Mawhinsky com graçolas e trivialidades. No fim combinaram ir tomar café do outro lado da rua. Por timidez ou orgulho, o Luís nem tentou arranjar maneira de se fazer convidar para os acompanhar. Quando tentava engolir a sua frustração juntamente com os ultimos pedaços do arroz de pato, sentiu uma mão gorda e pesada no cachaço. Helloouh Rodriguezz! That trick you performed with the Hamiltonian at EQUADIFF was very funny indeed! AhAhAhAh. Join us for a coffeeeh?
(continua)

3 comentários:

Orlando disse...

2ª ediçao, dois anos depois.

lino disse...

Edição remasterizada? Author's cut? :)

Anónimo disse...

Um final feliz:)