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Picasso, A pomba da Paz.
Discuti o case study seguinte na Escola. Os detalhes são inventados porque já passaram muitos anos mas penso que consegui reconstituir o essencial desta história verídica. Embora a estatística seja uma ciência exacta a sua aplicação na prática pode ter aspectos extremamente subtis. Mesmo para um especialista.
Um casal pára um carro descapotável de cor salmão perto de um indivíduo que está a passear o cão. O homem sai do carro e dispara dois tiros à queima roupa. Em seguida partem a grande velocidade. Uma senhora observa tudo da janela da sua casa e telefona à polícia. Descreveu as roupas do casal de forma bastante precisa e conseguiu fixar as três primeiras letras da matrícula. Não viu a cara dos criminosos. A polícia de Los Angeles lançou um alerta geral e conseguiu deter três horas mais tarde um casal que correspondia exactamente á descrição, guiando um carro da mesma côr, com as primeiras três letras da matrícula iguais. Decide acusá-los. Na falta de melhores argumentos contrata um estatístico. Este demonstra em tribunal que a probabilidade de existirem em Los Angeles naquele dia dois casais verificando todas aquelas condições era superior a um em quatro milhões. O júri condena o casal.
O advogado de defesa apresenta recurso e contrata um estatístico. Este admite que todo o raciocínio do seu colega estava correcto. Acontece porém que a probabilidade de haver dois casais naquelas circunstâncias, dado que havia um, era de um em mil e novecentos. Foi considerado que havia dúvida razoável e como tal o casal não foi condenado.
Joao Pinto e Castro pergunta no Blogoexisto qual é a probabilidade de o Benfica nos últimos nove sorteios da Taça de Portugal ter jogado sete vezes em casa, ser isento uma vez e ter jogado uma só vez fora? É certamente muito baixa. Pelas suas contas é de cerca de um por cento. Lembro que esta série de coincidências já ajudou o ano passado o Benfica a ganhar uma taça de Portugal e deixou-o este ano bastante bem colocado para ganhar outra.
Até que ponto é que podemos considerar este facto um eventual indício de corrupção? É possível tratar este assunto com rigor científico? Analisemos um caso que foi tratado nos termos propostos por João Poirot Castro. Quando eu vivia no Japão durante os anos oitenta toda a gente sabia que se fazia batota no Sumo. Num torneio de Sumo cada lutador luta uma vez por dia durante quinze dias. Se já chegou ao prestigioso e lucrativo posto de Ozeki (campeão) tem de uma vez em cada dois torneios obter Kashikoshi (ganhar oito das quinze lutas) para se manter no posto. Quando um lutador precisava de vencer no último dia para obter Kashikoshi era quase garantido que vencia. Normalmente quando encontrava o mesmo lutador no torneio seguinte, perdia.
Recentemente um senhor chamado Steve Levitt resolveu investigar o assunto e comprovou sem margem para dúvidas aquilo que toda a gente sabia. Podem ver na sua página web o resumo das suas conclusões. Lewit mostra por exemplo que quando os jornais começavam a falar muito no assunto o número de combates combinados diminuía...
O Economist de 10 de Janeiro de 2004 tem um excelente artigo sobre o sr. Lewitt. Ele é professor de economia em Chicago e acabou de ganhar a medalha John Bates Clark, o mais importante prémio para economistas de menos de quarenta anos. Está na calha para um Nobel daqui por mais umas décadas.Não sei se os métodos usados por João Castro são suficientemente poderosos ou não. Para além do mais a quantidade de dados ao dispôr de Lewit é considerávelmente maior. A questão que levanta faz porém todo o sentido. Gostaria de saber detalhes sobre a metodologia utilizada no sorteio.
Aproveito para lembrar uma regra existente na taça Davis que evita estes problemas. Quando dois países se encontram pela primeira vez sorteia-se quem joga em casa. A partir daí vão alternando quem joga em casa cada vez que o sorteio os junta.
A Renault e a Fiat actualizaram o seu logótipo várias vezes nas última décadas. A BMW e a Audi não o fizeram. O número de mudanças de logótipo de uma marca de automóveis é proporcional ao número de crises por que a marca passou. Nenhum especialista de marketing seria capaz de impingir o emblema da BMW a uma empresa: está completamente desactualizado. No entanto isso não afecta a imagem de BMW. A estética em sentido estrito subordina-se aqui à imagem da marca. Como aquele emblema aparece naqueles carros, o emblema passa a ter classe. A FIAT não mudou de emblema por o anterior ser feio. O anterior ficou gasto porque foi usado em carros que não vingaram.
Vem isto a propósito do artigo A nossa língua e a língua dos outros publicado no Alerta Amarelo. Refere MJL que a IKEA, multinacional sueca do mobiliário, não hesita em utilizar a lingua sueca nos produtos que vende em Portugal. Pergunta porque é que as empresas portuguesas não usam o português nos produtos que exportam. Porque é que usamos tantas expressões inglesas that sound much better?
Não me parece que seja uma questão de falta de segurança ou de falta de vontade de afirmação que nos leva a comportar desta forma. Acho que agimos da forma mais racional possível.
Uma empresa portuguesa que queira exportar, se tiver um produto líder de mercado pode usar um nome português. São exemplos disso os Madre Deus e o Mateus Rosé, que fizeram subir a cotação da língua portuguesa nas suas áreas de influência. Uma empresa portuguesa que queira vender um produto de qualidade média numa área em que o nosso país ainda não se afirmou terá tudo a ganhar se se informar primeiro sobre quais são as línguas que estão a facturar no seu ramo de actividade.
Nós estamos a vender-nos todos os dias: as nossas personalidades, os nossos talentos, os nossos blogs... Usamos termos da língua que dá mais jeito na altura e não há que ter complexos com isso. Se formos bons naquilo que fazemos a nossa língua vai ganhar terreno, caso contrário...
O filho do sr. Encarnação, emigrante português na Alemanha, teve de ir estudar informática para os Estados Unidos. O seu pai tornou o nome Encarnação tão prestigioso no mundo da informática alemã que o filho preferiu ir para uma universidade onde pudesse ser um ilustre desconhecido.
Inicialmente a escolaridade obrigatória foi criada para garantir que toda a população activa de um país atingisse um certo nível de educação. Esse nível de educação mínimo era o requerido pelas necessidades de competitividade do país. A escolaridade obrigatória foi um motor de desenvolvimento essencial no Japão e nos países nórdicos durante o final do século XIX. A partir daí o número de anos de escolaridade obrigatória de um país passou a ser encarado como um indíce de desenvolvimento.
Recentemente é possível que alguns países tenham elevado o número de anos da escolaridade obrigatória por razões mais prosaicas: enquanto os jovens estavam na escola estavam ocupados, não consumiam tantas drogas, não roubavam, não estavam no desemprego.
Finalmente surgiu uma terceira razão para aumentar o número de anos da escolaridade obrigatória: Bastava decretar o aumento desta para melhorar este indíce de desenvolvimento e o país em questão julgar fazer boa figura junto dos colegas mais desenvolvidos.
Obviamente o decreto não resolvia todos os problemas. Um jovem para conseguir atingir um nível intelectual superior ao nível do seu agregado familiar tem em média de fazer um esforço suplementar: Numa sociedade onde o valor do esforço individual esteja descreditado é muito difícil convencer os jovens a trabalhar mais. Surgiram então alguns iluminados que descobriram a solução para o problema: bastava baixar um nadinha a fasquia, ninguém reparava, e os resultados melhoravam. Muitos pais acharam bem. Uns não tinham conhecimentos suficientes para ajudar os filhos. Outros não tinham tempo. Outros gostavam de ver televisão. Foi assim que Portugal conseguiu em tempo record aumentar a escolaridade obrigatória até aos nove anos com um esforço mínimo.
Recentemente começou-se a achar que para fazermos mesmo boa figura lá fora tínhamos de aumentar a escolaridade obrigatória para doze anos. Reparou-se então que, por razões altamente misteriosas, muitos alunos abandonavam a escola imediatamente após o nono ano! Como desvendar este mistério?