quarta-feira, novembro 25

Belle de Jour

Está na moda as prostitutas de luxo publicarem um blog e escreverem livros sobre as suas experiências. Belle de Jour foi o pseudónimo de uma das primeiras, senão a primeira a ter tal ideia. A autora conseguiu permanecer no anonimato durante anos. Algo especialmente difícil depois de produzir quatro best sellers e ter uma coluna regular num jornal de referência. A semana passada Belle descobriu que alguém ia provavelmente revelar a sua identidade. Resolveu ser ela a dar a cara.
O seu verdadeiro nome é Dr Brooke Magnanti. Tem um doutoramento em Informática e Epidemiologia. Actualmente é investigadora na Bristol Initiative for Research of Child Health. A tese prolongou-se um pouco mais do que a bolsa de doutoramento. Brook procurou um emprego suficientemente bem pago, que lhe deixasse tempo livre para acabar a tese e que não exigisse um grande investimento em formação. Resolveu o problema trabalhando a 400 euros por hora para uma agência de call girls durante catorze meses.
Trata-se de um caso difícil de encaixar no estereótipo da mulher e do chulo. Ela não foi explorada nem coagida, não se pode dizer que não tinha outras opções, divertiu-se, abandonou a prostituição depois de atingir o objectivo, tem uma vida interessante e útil para a sociedade. A experiência não parece ter deixado cicatrizes.
É um caso extremo, mas não é um caso raro. Muitas outras mulheres resolveram facturar aquilo que o mercado lhes oferecia. Apesar de tudo, a maior parte das mulheres continua a culpar os homens. Uma atitude no mínimo algo infantil. É óbvio que não têm razão.

E no entanto...

Talvez haja um chulo dentro da cabeça de cada prostituta. Cada um de nós tem aspectos masculinos e femininos. Funcionamos de uma forma mais harmoniosa se esses elementos coexistirem em equilibrio. Na nossa sociedade o lado masculino é mais pragmático e mais facil de expressar. Em termos contabilisticos, por exemplo. E em frases do tipo Porque não? Responder a essa pergunta a propósito da prostituição é bastante dificil nos tempos que correm.
Os esquimós têm dúzias de palavras para descrever a neve. Nós só temos uma. A neve é bem mais importante para eles do que para nós. Só temos uma palavra para amor. Em sanscrito há várias dúzias de palavras que nós tradiziriamos sempre por amor ou por frases onde aparece a palavra amor. O lado feminino dos homens e das mulheres, o lado que lida com os sentimentos, está em desvantagem na nossa sociedade. Temos muitas palavras para factos objectivos e racionais. Isso permitiu-nos construir uma sociedade mais rica onde nos podemos dar ao luxo de ser mais justos. Por outro lado pagámos o preço desse desenvolvimento em solidão, depressões, vazios. É o que acontece quando negligenciamos os lados mais frageis e subtis das nossas personalidades, onde estão escondidas as riquezas intangiveis de que andamos à procura algures fora de nós.
A Belle vai pagar um preço alto pelas libras que ganhou. Acontece que isso é um problema dela. Temos de acabar com a mania de não deixar os outros (e às vezes a nós mesmos) errar. O homem que as mulheres acusam está dentro de todos os homens e de todas as mulheres. É infantil projectá-lo no primeiro homem que se ponha a jeito, ou nos homens. Mas todos nós executamos esse tipo de projecções a toda a hora.

domingo, novembro 22

A Treta Global


From: Tom Wigley, Date: Sun, 27 Sep 2009 23:25:38 -0600
So, if we could reduce the ocean blip by, say, 0.15 degC, then this would be significant for the global mean – but we’d still have to explain the land blip. I’ve chosen 0.15 here deliberately. This still leaves an ocean blip, and i think one needs to have some form of ocean blip to explain the land blip (via either some common forcing, or ocean forcing land, or vice versa, or all of these).

Este é um dos e-mails que um hacker, ou um whistle-blower, alegadamente retirou de um computador da University of East Anglia’s Climate Research Unit. Este senhor estava a ajustar os parametros para nos convencer que realmente existe o tal aquecimento global. Estamos a falar do maior escandalo da ciencia. Vão ao google news, escrevam global warming scandal ou outra coisa semelhante, e vejam o que aparece. Ou leiam este artigo do Telegraph e passem pelo Falta de Tempo, onde eu ouvi falar nisto pela primeira vez.
Comunicado dos CRU.

quarta-feira, novembro 18

Contra os cemitérios

Andam por aí uns desavergonhados que querem destruir a civilização ocidental. Onde é que já se viu pegar num terreno baldio, colocar uns muros à volta e começar a enterrar lá os filhos da terra? Não sabem esses velhacos que ainda há meia dúzia de anos andavam por Dover a embebedar-se pelas tabernas o que é o solo sagrado? Doenças? Enterrar os nossos pais e avós na santa igreja onde vamos orar todos os domingos provoca doenças? Só servos de Belzebu podiam inventar tamanho disparate! Sempre assim se fez e sempre assim se fará! Se eu não lutar para enterrar os meus antepassados perto de Deus, quem irá lutar por mim?
Esta oposição ao Novo está bem ridicularizada n'As Pupilas do Sr. Reitor, um dos poucos livros que uma menina de boas familias podia ler nos anos sessenta, tempos em que o caracter subversivo de muitas obras de Eça ainda permanecia intacto. A luta do liberalismo pela saude pública vem-me sempre à cabeça quando se discute o casamento dos homossexuais, algo à partida bem menos controverso do que por exemplo a questão do aborto. Trata-se tão só do horror ao Novo. É por isso que poucos são aqueles que se são capazes de assumir contra, escondendo-se atrás do pedido do referendo. Se este é um assunto tão secundário como eles dizem, vale a pena gastar o nosso tempo e o nosso dinheiro na realização do tal referendo?
Bem melhor seria este mundo sem estes empata fodas? Talvez não. Afinal, como é que se constroi um braço robotico de alta precisão? Para fazer um buraco para um parafuso com precisão micromilimétrica, temos de criar uma tensão: uma força que empurra para a direita e outra para a esquerda, uma para cima, outra para baixo, uma para a frente, outra para trás. Só esta oposição de forças, de musculos agonistas e antagonistas, permite a um atirador acertar na mouche. Aquilo que parece ser apenas um desperdício de energia, é muito mais do que isso. Sem a Doutora Ferreira Leite, eu e os da minha laia acabavamos por escavacar isto tudo.
Dito isto, se não se lutar com toda a energia contra os imbecis que por aí andam, expondo-os ao ridiculo antes e depois da passagem da lei, não vamos a lado nenhum.
Mas sempre com muita compaixão.

quarta-feira, novembro 4

Só ofende quem pode?

Sempre achei que sim. Que uma atitude nossa só desiquilibra emocionalmente alguém, voluntaria ou involuntariamente, se essa pessoa se sente ligada a nós por sentimentos de amor, amizade ou admiração, se nós lhe provocamos alguma insegurança, se ela tem algumas expectativas em relação a nós ou projecta em nós o melhor que existe nela.
Algumas pessoas ofendem-se muito facilmente porque são bastante inseguras, ou têm muitos problemas por resolver à flor da pele. As pessoas ofendem-se porque não são capazes de distinguir o pessoal do objectivo. Muito poucas pessoas são capazes de reagir racionalmente numa situação que envolva algum stress.
Sempre tive um certo orgulho dessa capacidade de não me deixar ofender por dá cá aquela palha. Quantas vezes alguém tentou ofender-me, desestabilizar-me ou impressionar-me, ficando meio para o estupefacto quando não o conseguiu.
Entretanto um destes dias ofendi-me mesmo. Continuo indignado. Uma sensação estranha. Uma sensação nova. Não sabe a fraqueza. Se calhar não me ofendi algumas vezes porque me faltava qualquer coisa. Quem não se ofende não é filho de boa gente. Talvez haja alguma verdade nisso. Não sei se mudar é bom ou não. Mas é interessante.

Claude Levy-Strauss 1908-2009

Tristes Trópicos, a autobiografia de Claude Levy Strauss, é uma das maiores obras primas da Literatura do século XX. As suas descrições das suas viagens pelo Novo Mundo são inesqueciveis. Metade do livro é dedicado ao Brasil. Começa em Salvador da Bahia, e vai-se internando pela selva até chegar aos pontos mais inesplorados da selva amazónica. Fala-nos sobretudo das pessoas e mostra-nos que elas não são diferentes de nós. Não devido aos imperativos do politicamente correcto, mas por razões bem claras.
Os "primitivos" não são estúpidos. A haver estúpidos, somos nós.
Um habitante do Amazonas conhece a fauna e a flora da região tão bem como qualquer equipa de biologos composta por um botanico, um entomologista e um zoologo que tenham queimado as pestanas a fazer o seu PhD e depois tenham passado uns anos a complementar os seus conhecimentos in loco. Quando se desloca a uma região nova por qualquer razão, o primitivo recolhe exemplares da flora da região que não conhece e leva-as para tentar perceber para que servem, realizando todo o tipo de experiencias. Se possivel, conferencia com os habitantes da região, procurando obter informações sobre as plantas que descobriu e sobre outras que lhe tenham escapado.
A nossa sobrevivencia está assegurada e nós não precisamos de puxar pela cabeça para sobreviver. O cérebro dos animais domésticos é mais pequeno do que o dos seus equivalentes selvagens pela mesma razão: falta de uso.